“Vou viajar contigo essa noite,
Conhecer a cidade magnífica.
Velha cidade supernova,
Vagando no teu passo sideral.
Quero alcançar a cúpula mais alta,
Avistar da torre a via-láctea.
Sumir ao negro das colunas,
Resplandecer em lâmpadas de gás.”
In: Astronauta Lírico – de Vitor Ramil
“Como você pode pedir a alguém para te amar mais? Você não pode, e esse foi o problema comigo e o Pedro.
Quando nos conhecemos em uma viagem com amigos em comum, eu pensei ‘Que cara mais interessante e bonito!’. E a conversa entre nós começou a fluir. Nos encontramos algumas vezes depois disto até começarmos a namorar. Apaixonei-me por ele rapidamente e, embora Pedro fosse muito comunicativo e me tratasse bem, parecia quase sempre meio distante e frio.
Ele tinha perdido sua mãe um mês antes de nos conhecermos e, de quando em quando, parecia se esconder em um lugar estranho e reservado, e muito longe de mim.
Conversamos sobre ela por diversas oportunidades. Ele ficava chateado, às vezes querendo falar, outras vezes querendo ficar sozinho. Coloquei sua aparente falta de afeição neste sofrimento.
Mas isto foi se tornando cada vez mais complicado, principalmente quando me dei conta de que, depois de meses de relacionamento, ele ainda não havia dito que me amava. Ele também se recusava a conhecer meus pais. Quando eu abordava o assunto, ele dizia que este era o “jeito” dele e que eu precisava aceitar.
As coisas chegaram ao ponto de que, quando estávamos para completar dois anos de relacionamento, por me sentir tão frustrada com a falta de conexão, perguntei-lhe sobre seus verdadeiros sentimentos e Pedro admitiu não ter certeza do que sentia por mim.
E, embora o amasse, do fundo do meu coração, entendi que eu tinha que partir e que nossa relação não tinha mesmo nenhum futuro.
No fundo, eu queria sacudi-lo e dizer: ‘Vamos, se abra! Estamos juntos há quase dois anos e parece que você não quer que a gente caminhe pra lugar algum!’
Porém, Pedro aceitou a separação calmamente, ainda perguntando se poderia ser meu amigo. Eu estava tão chateada que disse não e que preferia ficar sozinha.
Percebi que rompera com Pedro da mesma forma com que terminara outros namoros: virando as costas e batendo a porta logo atrás de mim.
Ainda assim, tentei me enganar acreditando que um dos enredos dos namoros anteriores ali se repetiria. Invariavelmente, dois dias sem notícias eram suficientes para receber um telefonema atônico, quase desesperado, me pedindo pra voltar. não tinha erro.
Ocorre que o segundo dia passou, como passou o terceiro, o quarto e o quinto.
Já tinha ligado para todas as minhas amigas, chorado com minha mãe ao telefone porque não sabia responder a uma simples pergunta – ‘Ué! Mas se gostava tanto dele, por que foi que terminou?’
Nos quatro meses em que ficamos separados, procurei perceber de maneira mais honesta o que havia ocorrido na minha vida naqueles últimos meses.
Inicialmente, passei por um doloroso processo de desagregação: chorando, perdendo horas diante do computador procurando pistas do que ele podia estar fazendo, com quem estaria saindo, suas novas amizades nas redes sociais. Cortei o cabelo – que ficou horrível – e parei de comer. Emagreci demais e ganhei uma aparência muito estranha. Aliás, as ‘amigas’ não se furtavam de tecer comentários acerca disto sempre que podiam.
Eu estava com o coração partido e o culpava por tudo, mas – aos poucos – tive que admitir minha parte nisso, depois de um tempo e de muitas sessões de psicoterapia.
Compreendi que perseguira um modelo de vida cuja expectativa acabara me afastando de todos os meus relacionamentos até ali. Construir uma família tipo ‘comercial de margarina’ era um objetivo claro. Mas apenas para mim.
Afinal, minha família se desfizera quando eu tinha 6 anos de idade. Minha mãe precisou se virar para cuidar de mim e de meus dois irmãos.
Já o meu pai fora uma figura ausente desde sempre. Quando criança, culpei-me por sua ausência acreditando que por minha causa ele nunca ficava em casa e jamais participava das situações mais íntimas em família. Depois, assumi a responsabilidade pela separação e pelo sofrimento de minha mãe. Uma verdadeira loucura que só a terapia me ajudou a resolver.
E, como deve acontecer com toda filha de um pai assim, cheguei à conclusão de que eu não era digna do afeto dos homens.Desta forma, concebi que algo em meu próprio comportamento poderia ter afetado Pedro de alguma forma. Talvez esse fosse o relacionamento do qual eu não deveria ter me afastado.
Por isto, me encontrava em estado quase catatônico quando o reencontrei num seminário, meses depois da separação. No começo, cada um manteve uma distância fria e rígida do outro, mas não demorou muito para que ambos nos dissolvêssemos em lágrimas assim que o primeiro se aproximou.
Na verdade, eu me aproximei lhe tocando as mãos. E precisei respirar fundo, afugentando todos os medos, orgulhos e fantasmas para longe de mim. Agradeço até hoje aquela réstia de coragem que consegui reunir naquele instante, apesar de toda a minha insegurança.
Porque sabia que em tempos de profundo desamor, era vital que eu lutasse pelo meu afeto mais verdadeiro.
Conversamos sobre tudo o que havia dado errado e sobre o que tínhamos aprendido desde então. Pedro tinha começado uma terapia onde descobriu que sentia não merecer nosso relacionamento – e era isto o que o fazia não permitir que eu chegasse mais perto com o meu amor.
Com a morte de sua mãe, passou a observar o pai e, desta forma, enxergá-lo melhor. Viu o quanto as tarefas relacionadas à ela – que ficou internada por meses em um hospital – foram destinadas à ele, como irmão mais velho. O pai se livrara de todas as responsabilidades enquanto marido sobrecarregando impiedosamente o próprio filho.
Aquela mulher que se dedicara com tanto amor e zelo a todos, não mereceu a contrapartida do egoísta companheiro. E Pedro sentiu-se na obrigação de tomar seu lugar.
Uma vez que percebeu isso, foi como se uma bolha invisível, que quase não o deixava respirar, estourasse de repente.
E a partir daquele momento, podendo perceber o nível do seu bloqueio emocional, passou a tentar se corrigir e cuidar para que os afastamentos não mais acontecessem.
Desde então, nosso relacionamento tem percorrido um caminho muito mais sereno e rico em intimidade e sinceridade. Pedro tornou-se muito mais afetuoso e, sempre que consegue, repete o quanto me ama.
Falou isto pela primeira vez entre lágrimas e soluços.
Finalmente conheceu meus pais, bem como todos os meus tios, tias, primos e avó. Na verdade, passamos o último Natal juntos com minha família e seu pai, a quem tem tentado perdoar com o coração menos ressentido. Estamos planejando nosso futuro agora, algo que Pedro nunca faria antes daquele rompimento.
Enxerguei que numa relação, enquanto houver uma afeição que faça seu peito transbordar de carinho cada vez que vê aquela pessoa, você precisa tentar todos os recursos que tiver. Um passo de cada vez.
E posso dizer que, com certeza, o tempo que passamos separados salvou nosso relacionamento. E o nosso amor.”
(*A série Depoimentos é uma coletânea de histórias partilhadas comigo e cuja publicação é devidamente autorizada)
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