“Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.”
In: Mãos Dadas – de Carlos Drummond de Andrade
… tanto para o bem quanto para o mal (quando fingida).
De uma forma geral, podemos dizer que empatia é a capacidade de entender o que os outros estão sentindo, buscando imaginar o que experimentam numa dada situação.
Acredito que esta seja uma habilidade exclusiva dos que conseguem se colocar no lugar dos outros de forma genuína. Isto significa que a pessoa que desenvolve melhor esta qualidade sente e pensa de uma maneira emocional e não exclusivamente racional.
E sabemos que sentir e pensar, nestas condições, são duas faces essenciais desta valiosa moeda.
Porém, conforme conversamos no post anterior (sobre os psicopatas que pululam em nossa combalida sociedade), é importante relembrarmos que estas criaturas, por vezes, parecem até mais empáticas que o ‘normal’. E este é um sinal muito importante.
É indispensável olharmos para as atitudes antes da aparência empática em si. Via de regra, a/o psicopata parece boazinha/bonzinho demais ao mesmo tempo em que age com sofisticada dissimulação – justamente porque o ‘disfarce’ ali estará a serviço de esconder suas verdadeiras e nefastas intenções.
Também nos é dado saber que empatia é hoje reconhecida como um dos principais fatores de sucesso na psicoterapia, por exemplo. Além disso, numerosos estudos têm demonstrado seu impacto positivo quando exercida pelos profissionais da área médica em relação aos enfermos, quer em termos de satisfação frente ao atendimento recebido e ao bem-estar psicológico, quer em relação à saúde física, além de incluir uma menor tendência a erros médicos.
Logo, não existem dúvidas de que em qualquer que seja a perspectiva, a verdadeira empatia pode (e urgentemente precisa) formar a base para uma nova concepção de cidadania.
Compreender o ponto de vista do outro, no momento atual, é um desafio extremamente complexo para as relações humanas que fatalmente repercutirão nas relações sociais.
Primeiro, porque para entender o que nos comunica o outro é preciso escutá-lo. E não apenas “ouvi-lo” com ouvidos de mercador, mas com uma ‘audição’ absolutamente disponível para um “escuta” cuidadosa e, de certa forma, encantada diante do novo.
Então, a diferença entre ouvir e escutar repousa exatamente dentro do que acontece entre um e outro. Ouvir, como ato mecânico e espontâneo e escutar, enquanto uma forma de compreender aquele som que nos foi dirigido.
E por que ter empatia é tão importante?
Há alguns meses, dentro de um voo em território americano, um casal foi retirado da aeronave após ter se dirigido a alguns passageiros de maneira absolutamente agressiva e desrespeitosa. O homem perguntou a um casal de paquistaneses se o mesmo portava bombas em sua bagagem enquanto declarava que os imigrantes deveriam voltar à suas terras, deixando a “América” para os americanos. Neste momento estava ele certamente esquecido, ou desinformado, de que a “sua América” tem sido responsável por invasões perversas – justificadas por interesses meramente econômicos – que ainda hoje dizimam gerações de seres humanos deixando-as sem chão e sem pátrias.
No entanto, o que importa constatar neste exemplo, é a total falta de humanidade deste forçado e hostil “contato” provocado pelo citado casal.
Nenhuma réstia de empatia se viu ali revelada.
Com toda a certeza esta dupla detestaria ser confrontada por uma meia dúzia de paquistaneses – ou quem quer que fossem – a lhes esfregar na cara odiosos preconceitos.
Sentir-se-iam humilhados? Isto afetaria seu dia? Sua vida? Uma experiência desta natureza seria capaz de despertar-lhes medo de seguir adiante? Pavor de viver? Vontade de morrer, quem sabe?
Sim, definitivamente.
Tente experimentar a ideia de ter sido a infeliz vítima, naquele momento, a receber um inesperado e ultrajante insulto. Seria uma passagem bastante ruim, não acha?
Pois bem. Para compreendermos que a empatia envolve alguns aspectos imprescindíveis para que o sucesso da evolução humana se dê, temos que considerar que ela implica em desenvolvimento e amadurecimento afetivo e envolve a capacidade de compartilhar experiências emocionais e de compreender os sentimentos dos outros.
Um primeiro componente de empatia é emocional; é uma reação geralmente automática, imediata e não intencional. Quando vemos alguém que sofre, nós mesmos somos afetados e isto se dá ao percebermos uma sensação desagradável e pessoal. Não é mais apenas o outro que sofre naquela dada situação. Somos nós que também sofremos agora.
Estudos científicos comprovam que nascemos com esta capacidade. É instintiva, portanto (com exceção dos psicopatas que nascem sem este mecanismo e, portanto, passam a imitá-lo).
Aliás, cabe neste momento esclarecer que certo nível de empatia cognitiva – aqui relacionada unicamente ao fato de deliberar sobre os estados mentais de outras pessoas – é geralmente preservado nos psicopatas uma vez que eles são notáveis manipuladores – o que requer alta vocação cognitiva para saber como e o que provocar nos outros.
A observação de crianças destacou a precocidade deste tipo de competência. Na verdade, a partir das primeiras horas após o nascimento, os bebês reagem ao sofrimento de outros seres, chorando.
A empatia é possível porque temos uma disposição inata para sentir que outras pessoas são “como nós” e porque é o que nós desenvolvemos em nossa ontogenia (que descreve a origem e o aperfeiçoamento de um organismo desde sua fertilização até a vida adulta).
Desta forma, o aspecto emocional é um componente marcante dentro da empatia.
Em contraposição a isto, as pessoas com personalidade antissocial têm uma significativa falta de empatia emocional. Afinal, para elas é muito difícil sentir – em níveis fisiológicos e subjetivos – o estado emocional dos outros, particularmente quando envolve alguma percepção de tristeza ou de medo.
Um dado muito interessante neste sentido deu-se, recentemente, com a descoberta dos neurônios-espelhos. Estes neurônios foram revelados pela primeira vez em macacos e, em seguida, nos seres humanos. São estes neurônios que desempenham um papel considerável no reconhecimento e na compreensão do significado das ações dos outros.
Estudos atuais através de ressonância magnética funcional demonstraram que quando uma pessoa observa o estado emocional de outra (como desgosto, dor, amor, falta de contato físico, etc.) são ativadas partes da rede neural que correspondem àquelas que são provocadas quando as ocorrências são pessoais, ou seja: sentimo-nos mais ou menos espelhando essas emoções sentidas por outros. Como um bebê que chora ao perceber a tristeza no rosto de sua mãe.
Estes estudos são particularmente promissores e, ao mesmo tempo, preocupantes.
Eles mostram que nossos cérebros estão predispostos a manter uma interdependência emocional com os outros e que nós podemos entrar em “ressonância” com nossos semelhantes e, assim, demonstrar que nossa empatia e os laços que nos ligam aos demais estão profundamente enraizado em nós.
Um dos exemplos mais comoventes do poder transformador desta valiosa qualidade humana é o que fazem os moradores de uma rua no extremo da zona sul da cidade de São Paulo. Cientes de que alguns catadores se alimentavam dos restos de suas comidas, estes seres excepcionais passaram a reservar e separar de maneira higiênica e cuidadosa o que sobrava de suas refeições. Desta forma, diversas famílias daquela comunidade passaram a consumir aqueles alimentos que lhe chegavam de maneira solidariamente organizada. Trata-se de uma experiência que me foi passada pelos próprios “beneficiários” deste auxílio.
Espero, sinceramente, que ela permaneça. Porque entendo a importância desta atitude em tempos tão duros e tristes como andam sendo os nossos – que esbarram justamente na negação desta formidável herança.
Apesar de sabermos que sentimentos de empatia e compaixão redundam no cuidado que é central na vida de cada um de nós, eles ainda continuam sendo desvalorizados na nossa sociedade.
Mudar este paradigma requer uma reavaliação dos nossos princípios e valores. Precisamos levar em conta os outros se quisermos viver em paz. Nenhuma outra equação será possível se desejarmos alcançar alguma plenitude e alegria vital.
Nenhum ser humano, ainda que aparentemente satisfeito e feliz, prescindirá da ajuda dos outros – ainda que desconhecidos e afastados.
Cuidarmos uns dos outros É PARTE DA CONDIÇÃO HUMANA. E se tentarmos escapar dela estaremos jogando a humanidade no mais profundo e absoluto exílio.
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