“Nos barracos da cidade
Ninguém mais tem ilusão
No poder da autoridade
De tomar a decisão.
E o poder da autoridade, se pode, não faz questão;
Mas se faz questão, não
Consegue
Enfrentar o tubarão.
Ôôô , ôô
Gente estúpida;
Ôôô , ôô
Gente hipócrita.”
In: Nos barracos da cidade – de Gilberto Gil
Médicos estuprando crianças e mulheres; praticando barbaridades até dentro das próprias casas. Quem são estas criaturas? De que matéria desumana são formados seres desta espécie feito o monstro Roger Abdelmassih que, além de violentar pacientes, provavelmente as inseminou com o próprio sêmen e os de desconhecidos?
Nestes últimos dias, depois de ouvir, desolada, as declarações de alguns dos psicopatas, que faculdades despejaram no mercado de trabalho, intitulando-se “médicos”, comecei a pensar se o grande problema que envolve a formação de muitos destes profissionais não é – ainda que se tente fazer prevalecer exemplos dignos e nobres de médicos extraordinários, honrados e devotos – o fato destes últimos jamais se tornarem exemplos obrigatórios a serem seguidos.
Parece que os atuais modelos médicos se forjam a partir dos itens ‘prestígio’, ‘realizações técnicas’, ‘fortunas’ e aparições na mídia, mas nunca de suas qualidades na inter-relação com seus pacientes.
É mesmo uma pena que não existam conferências nem cursos que esclareçam aos estudantes o óbvio:
“Escutem as pessoas com atenção e cuidado e se não quiserem curar os pobres e desvalidos, procurem imediatamente outra profissão”.
Ou:
“Se desejarem impor suas crenças e valores a uma mulher que eventualmente declare que não pode ou não quer ter filhos e, por isto, pede para ser submetida a uma laqueadura, rapidamente encontrem outro trabalho. Façam o mesmo se não concordarem com a forma de pensar do seu paciente. Caia fora da profissão antes de praticar alguma insanidade como esta que vários médicos cometem.”
Porém, para se alcançar que médicos comecem a ser formados dentro de uma visão mais humanitária, seria necessário suprimir o flagrante elitismo das faculdades de medicina já que elas parecem estar baseadas em sólidas e ultrapassadas bases elitistas.
Segundo o médico e escritor francês Martin Winckler, que nos últimos anos tem se dedicado a escrever críticas sobre a ganância e a frieza de seus pares na arte médica, é possível afirmar que “os preconceitos dos médicos são exatamente os preconceitos de classe”. Também esclarece que, na França, os pretendentes ao estudo da medicina vêm sempre das classes mais favorecidas.
Talvez isto explique porque acabam sendo educados e orientados a tratar pacientes da sua própria classe social e não os das classes mais pobres. Equivaleria a algo como um bombeiro escolhendo que feridos salvar usando como critério sua cor de cabelos preferida.
É também bastante provável que a formação destas criaturas conceba a equivocada noção de que, por lidarem com vidas humanas, passam a fazer parte de uma ‘casta’ na qual quem consegue entrar destaca-se do restante da sociedade e com direito a sentir-se “especial” – no pior dos sentidos, é claro.
Isto os leva a sordidamente interpretar que ‘alguns’ valem mais que ‘outros’ e que fazem parte da aristocracia que considera todos os demais inferiores.
Desta forma, e diante desta visão distorcida de si e dos outros, deixam de exercer a valiosa arte do cuidar e se voltam para o exercício de vender o que aprenderam e a pedir exames e ordenar receitas que, muitas vezes, obedecem a demandas dos laboratórios para os quais, infelizmente, suas portas permanecem convenientemente destrancadas.
Para Winckler o abuso se revela exatamente no momento em que o médico passa a não respeitar o paciente como um cidadão pleno de virtudes e direitos. Pode até não ouvi-lo ou mesmo subestimá-lo assim como aos seus sintomas. O abuso pode se traduzir na atitude de julgamento que, muitas vezes, ocupa o lugar da resposta ao pedido de assistência.
Para sustentar tais afirmações o médico apoia-se em seus 40 anos de experiência pessoal, nos depoimentos de centenas de pacientes e em todos os tipos de documentos que demonstram o quanto o abuso médico tornou-se sistêmico.
Descreve, como exemplo, que uma recente pesquisa apontou que entre estudantes e residentes de medicina, cerca de 30% sofreram algum tipo de abuso de poder ou de assédio sexual por parte de outros médicos – os mais ‘experientes’ ou mais velhos.
Aqui no Brasil, numa outra recente pesquisa realizada no ano anterior ao das denúncias de estupro e violência sexual ocorridas na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, e que chegaram à Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) e ao Ministério Público Estadual (MP-SP), constatou-se que dos 1.072 estudantes matriculados na graduação em 2013 apenas 24 afirmaram que, durante a faculdade, não sofreram nenhum tipo de agressão.
Os dados mostram ainda que 43% dos participantes do estudo disseram ter sofrido pelo menos algum tipo de assédio ou discriminação sexual.
A professora da FMUSP, e coordenadora do estudo, Maria Fernanda Peres, explicou que “uma prevalência de 40% do que a gente chama de violência sexual é alta, mas dentro dele tem várias situações diferentes. Podem ser comentários que tenham conotação sexual, que trazem a questão da discriminação de gênero, até casos de violência mais grave, como estupro. É importante situar”, ressalta ela.
Para esta professora o que muito devia nos preocupar é o fato de que certamente nesta formação existe “um clima que de alguma forma propicia ou favorece que casos graves aconteçam, e é o que estamos vendo com as denúncias que surgiram. São denúncias de situações extremamente graves, extremamente sérias que ocorreram no ambiente universitário“.
Que tipo de médicos estas faculdades estão entregando à sociedade?
Ou:
Serão estes os médicos que desejamos ver tratando de nossas vidas e as dos nossos entes amados?
Voltando ao exemplo francês, nosso pesquisador lamenta que não existam dados e nem mesmo estudos mais aprofundados sobre o comportamento dos médicos na França, pela simples razão de que se precisaria de médicos para se realizar este tipo de levantamento e estes, simplesmente, negam-se a participar.
Assim, o mundo da medicina permanece debruçado sobre seu próprio umbigo e mantendo afastado de si nosso mundo real.
Hoje, os serviços dentro desta profissão parecem mesmo totalmente minados de lutas pelo poder.
Afinal, uma profissão que tem o dever e a obrigação de servir o público deve ser responsável por suas ações.
Ou não?
E o que fazer quando se considerar vítima de abuso médica?
Primeiro: JAMAIS deixe de registrar a reclamação. Você tem todo o direito de se retirar sem pagar pela consulta ou pelo exame, por exemplo. Pode fazer uma ocorrência policial. Escrever uma carta para o Conselho de Ética federal ou do estado onde reside ou, ainda, para a empresa (ou hospital) aonde o profissional presta serviço.
Esse povo de branco é igual a você. Estudou coisas diferentes das suas – caso você não seja outro médico – e apenas isto. E não possui poder divino algum, ainda que queira arvorar-se disto.
Continua necessitando do cientista que pesquisa a doença, da biomédica que escolhe os aspectos do estudo, da costureira que confecciona sua roupa e o lençol que cobre a maca, do vendedor que lhe entrega o sapato que calça, o operário que fabrica seu carro, da faxineira que lhe arruma o quarto, da enfermeira que aplica a injeção necessária, da moça que limpa o banheiro do hospital para que não se propaguem as doenças, etc, etc.
Simples e fácil de entender.
E se pensam diferente disso, melhor que sejam separados do trigo restante para que arrumem logo outra atividade ou emprego.
Porque para médicos é que jamais servirão mesmo.
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