PENSAMENTO CRÍTICO VERSUS NARCÍSICO

Imagem Movimento Psicopata 2

“Caminho se conhece andando.
Então vez em quando é bom se perder,
Perdido fica perguntando,
Vai só procurando
E acha sem saber.
Perigo é se encontrar perdido,
Deixar sem ter sido,
Não olhar, não ver.
Bom mesmo é ter sexto sentido,
Sair distraído espalhar bem-querer.”

In: Deus Me Proteja – de Chico César

Pessoas que pensam criticamente costumam ser muito mais conscientes da natureza do pensamento humano, além de muito mais legais.

Elas se esforçam para diminuir o poder de suas tendências egocêntricas e individualistas, usando ferramentas intelectuais que o pensamento crítico oferece para melhorar suas habilidades de raciocínio e a fim de evitar serem vítimas de erros de lógica, da irracionalidade humana, dos preconceitos, distorções, regras sociais injustas e tabus incompreensíveis.

O pensamento crítico é uma ferramenta a ser usada para afastar as forças do individualismo feroz.

Em contrapartida, é bastante provável que você conheça alguns – ou muitos – narcisistas. Estes são difíceis de conviver.

Na maioria dos casos, eles (ou elas) são inteligentes, confiantes e articulados. Fazem você rir e acreditar em tudo aquilo que falam. Em outras palavras, conseguem ser encantadores à primeira vista. As chances desse feitiço não durar, porém, são muito grandes.

Assim, o segundo passo é se tornarem insuportáveis. A confiança rapidamente se transforma em arrogância; a inteligência vira presunção e o charme transforma-se em clara manipulação.

Eles falam incessantemente sobre si mesmos, e quando perguntam sobre você, no fundo, pouco se importam, porque nunca prestam atenção nos demais, estão totalmente focados em despejar o que pensam, o que sentem e o que querem fazer você acreditar. Como se pensassem assim:

Se eu vomitar o que sinto e como sinto, independente da forma ou da ocasião, vou conseguir me livrar desta desagradável sensação – que não entendo, mas que muito me incomoda – simplesmente jogando-a para fora. Não quero saber como o outro vai se sentir com isto. E, para tanto, não penso. Apenas reajo, grito e machuco. Exponho o que trago por dentro do jeito que bem entender. Danem-se todos. Menos eu, evidentemente.

Essa concepção individualista de livrar-se do que incomoda, doa a quem doer, é um fenômeno bastante característico da sociedade em que vivemos. Assim, como mercadoria trata-se os sentimentos. O que parecer ruim é descartado e o que ‘servir’, preservado. Sem uma mínima nota reflexiva.

Portanto, os iguais na idiotia almejam se livrar dos diferentes porque estes PENSAM de maneira INDEPENDENTE. E pensar está se tornando uma prática muito perigosa ultimamente.

Ninguém mais parece querer prestar atenção nas razões que fazem algo ser bom ou maléfico. O que significa que não se olha mais para o processo de coisa alguma, seja vida, produção, história ou diálogos. Olha-se para o resultado imediato. É muito mais fácil. E raso.

Tal modo de pensamento autocentrado combina perfeitamente com as atuais formas de subjetivação da experiência humana que deságua em uma espécie de negação do sofrimento acompanhada da busca incessante de felicidade – custe o que custar.

O problema reside exatamente no dado de que a tal subjetividade é hoje uma espécie de doutrina moral onde a busca pelo prazer é o único propósito da vida – e pelo modo imperativo como este “prazer” se associa ao dever de ser feliz.

As pessoas, pois, procuram negar desesperadamente a dor, seja na relação que mantém com o seu próprio sofrimento ou na forma como se envolvem com o sofrimento do outro. Quem sofre, chora e sangra é visto como menor, mais fraco, menos qualificado para viver dentre os “fortes” – que, no fundo, são os verdadeiros doentes e alucinados.

Este jeito perturbado de conviver com a dor é uma cicatriz incômoda dos novos tempos como tão bem assinalaram Lasch em ‘A Cultura do Narcisismo’ e Debord em “A Sociedade do Espetáculo”. Nessas duas leituras destaca-se a preocupação com a vitória do individualismo sempre vinculado à busca infindável pela felicidade (do sujeito e dos seus pares mais próximos – e apenas estes).

Num exemplo mais recente e fácil de entender, posto que na contramão da humanidade, estes psicopatas comportam-se como o ‘veterano’ que humilha o calouro no trote universitário pelo simples prazer de sentir o poder que não tem, ou como o homem que abusa de uma mulher ‘achando’ que ela gostou. Ou do sujeito que desvia dinheiro que não lhe pertence para satisfazer seus mais torpes desejos mundanos sabendo que a prática redundará, no final, na morte de milhares de pessoas – direta ou indiretamente. Ainda que todos, à sua volta, finjam não enxergar.

Tão desprezíveis quanto os covardes anônimos que, tempos atrás, perseguiram uma jovem blogueira que publicou um belíssimo texto sobre o machismo, ameaçando-a pública e descaradamente, prometendo parar com a tortura – cinicamente intitulada ‘calar a boca dessa vadia’ – apenas quando ela ‘cometer suicídio’ (sic).

Responsável não é apenas o que decapita, mas aquele que manipula a fraqueza humana até o ponto de criar o assassino.

Psicopatas, também, são os que apoiam ou escondem estes crimes e os que se ‘divertem’ com as atitudes perversas. E assim parecem reagir:

“Que se danem todos! Tenho tanta raiva e tantos ódios dentro de mim que prefiro transferir pra vocês, os humanos. Dane-se o que vocês sentem. Afastem de mim sua insuportável sensibilidade. Tolero apenas o circo conveniente que comodamente observo através dos programas espetaculosos na televisão que fingem retratar uma sociedade da qual, na verdade, nem me sinto parte – já que observo tudo deste lugar seguro onde me encontro.”

Este autocentrismo psicológico tem como base a percepção de que, em todas as suas ações, o ser humano deverá sempre procurar obter mais prazer e menos sofrimento.

Bem próximo deste viés desumanizado encontram-se as falhas éticas de caráter, quando se instala o princípio de que o homem pode (e deve) contemplar não apenas o prazer, mas, principalmente, os bens materiais como itens essenciais na sua vida. A qualquer custo também.

Daí o problema se potencializa e as armas tornam-se perigosamente letais.

Porque um homem com algum tipo de poder pode rapidamente transformar-se em um monstro. Mas um homem sem saídas, também.

Você deseja realmente ficar entre ambos?

Pense muito acerca disto e lembre-se: O mal se banaliza justamente na ausência do pensamento.

Se desejar, envie seus comentários para psicologaheloisalima@gmail.com

Deixe seu comentário...

Faça o login usando um destes métodos para comentar:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s