SOBRE ME RECRIAR

felicidade-virtual-1

“Quanta mudança
Alcança o nosso ser,
Posso ser assim
Daqui a pouco não.
Se lembrar não é celebrar,
Dura é a dor quando aflora.
Esquecer não é perdoar,
Se consagrou, sangra agora.
O que há é o que é
E o que será
Nascerá, nascerá.


In: Reticências (…) – de O Teatro Mágico



Depois de muitos anos de publicações semanais ininterruptas, acabei ficando três semanas sem escrever uma mísera linha sequer.

Alguns amigos e amigas estranharam. Leitoras e leitores me escreveram. Apreciei muito do carinho, confesso, porque andava mesmo carente de atenção e afetos fortuitos. E gosto disto. Você não?

O fato é que andava me sentindo triste e com vontade de ficar quietinha no meu canto escuro e silencioso. Sou uma pessoa que carece destes momentos e espaços, e quando isto me escapa sofro com razoável profundidade.

Um dos ‘sintomas’ mais claros de que não estou bem é quando me percebo mais preocupada com os outros do que comigo. É quando deixo de olhar para mim e de cuidar das minhas coisas.

Assim, nestes últimos dias, de uma hora para outra, descobri que estava sobrecarregada com problemas alheios que apareceram como se fosse minha obrigação resolvê-los – e eu permiti isto.

Então, me vi atendendo uma amiga operada de câncer que precisava de apoio, o filho de outra que tentava suicídio pela terceira vez, um parente me perturbando com seus conflitos idiotas, um conhecido alugando meu ouvido como muro das lamentações, e todos, absolutamente todos, bastante focados na sua própria dor e sem uma réstia de cuidado em relação a mim.

E sabe como descobri esta minha ‘tendência’ de cuidar mais dos outros do que de mim?

Quando percebi que durante as festas e reuniões que organizava eu, invariavelmente, era a única pessoa que nunca se divertia genuinamente.

Passava a maior parte do tempo me certificando de que todos estariam bem, felizes e satisfeitos. Era como se eu fosse a responsável pela felicidade de cada convidado ou participante daquilo que eu planejara.

O resultado óbvio é que eu simplesmente passei a detestar festas e encontros, por mais banais que sejam. Não obstante vários não serem da minha incumbência, eu dava um jeito de assumir algum aspecto a fim de me sentir péssima, caso algo não acontecesse direito.

Foi quando me convenci de que, no lugar de me sentir estressada correndo para dar conta de todas as criaturas do planeta, a coisa mais saudável que eu tinha a fazer era parar com toda a loucura d­­­a qual voluntariamente me cercava e começar a considerar que a única pessoa que devia me importar a partir daquele solene momento só poderia ser EU.

Embora pareça óbvio para algumas pessoas, quantos de nós, seres humanos, lutamos contra a ideia de nos colocarmos em primeiro lugar?

Talvez porque tenhamos sido criados para pensar que precisamos colocar os outros antes da gente, ignorando nossas necessidades – já que o autocuidado seria uma forma “egoísta” e “desumana” de se viver.

Desta forma, acabamos confundindo ‘resgatar’ com cuidar.

Sacrificamos o autocuidado porque estamos muito ocupados tentando salvar todos os outros. Ainda que lá no fundo saibamos que as pessoas têm que aprender suas próprias lições de vida, por mais dolorosas que sejam.

E, afinal, quem é você para decidir que sabe o que é certo para todos os demais?

Pensa comigo. Este não seria, no fundo, um enorme exercício de prepotência, no final de tudo? Uma crença de que sabemos o que é melhor para o mundo a fim de não procurarmos entender o que é tangível para a gente?

E esta tem sido uma verdade bastante difícil de enfrentar, porque há algo que persiste em nos fazer crer que somos sempre bacanas e corretos.

É difícil aceitar que alguém da minha família esteja muito doente por conta de suas escolhas e ações equivocadas. Tenho ainda um desejo irresistível de ajudar – e o fiz em inúmeras ocasiões – mas agora sei que ele precisa querer mudar, porque finalmente entendi que, ao resgatá-lo tantas vezes, todos permitimos que essa pessoa permaneça se sentindo e atuando enquanto um ser incapaz e impotente.

Outra razão que nos move é que estamos acostumados a relacionamentos baseados na carência, não no amor real.

Muitas vezes nos apaixonamos pela ideia de estarmos com alguém 24 horas por dia, 7 dias por semana. Quando chegamos a este lugar, acabamos dando demais porque acreditamos que seremos capazes de morrer por essa pessoa. Como Ernest Hemingway um dia escreveu: “A coisa mais dolorosa é perder-se no processo de amar demais alguém e esquecer que você também é especial“.

E, como disse o psicólogo existencialista Rollo May: “O amor é, em geral, confundido com a dependência, mas na verdade só se pode amar na medida da própria capacidade de independência”.

Se cuidarmos de nós mesmos, seremos mais livres, além de menos necessitados da atenção alheia e mais capazes de nos conectarmos sinceramente com outro ser humano.

Não percebemos, mas ensinamos as pessoas como elas devem nos tratar.

Como? Demonstrando através das nossas atitudes em relação a nós mesmos. Ao colocar sinais de que você se sacrificará, você atrai o tipo de pessoa que quer ser resgatada e por quem terá que fazer de ‘um tudo’ – tudo, menos um relacionamento equilibrado.

Provavelmente você faça disso uma profecia autorrealizável, trazendo para si exatamente o que atrai: pessoas que se aproveitam de seu bom caráter e da sua sensibilidade.

Daí vale a pena refletir se estamos sendo mesmo ‘roubados’ ou se damos voluntariamente tudo com a maior facilidade. Sim, porque não temos o menor controle sobre como os demais desempenham seus papéis na vida. No entanto, sempre temos poder acerca das nossas escolhas.

Além disso, embora possa ser difícil de ouvir, há sempre uma recompensa para nós. Será que você sabe quando é a “criatura legal” ou a “vítima”? Dê uma bela e honesta olhada nisto e responda se você não fica ressentido/a quando não lhe devolvem na mesma medida aquilo tudo que ‘deu sem querer nada em troca’? Não que não tenhamos este direito. Afinal, quando damos, queremos receber também.

Porém, podemos aceitar que escolhemos dar todo o nosso amor a ponto de não manter nenhum para nós mesmos, esperando que eles preenchessem uma lacuna que não poderiam preencher, porque era a nossa autoestima que estava faltando.

Todos temos esperanças de que alguém um dia passará a cuidar de nós. E, embora escolhamos acreditar que nossas ações são puramente altruístas e atenciosas, não estaremos realmente esperando algo em troca?


Sim, alguém pode tirar proveito de sua natureza afetuosa. Portanto, saiba que se você se deixar ser usado, não pode se surpreender quando as pessoas o tratarem como um objeto. Seu autocuidado é responsabilidade sua, e de mais ninguém.

Se você está lidando com esgotamento, trauma secundário ou apenas fadiga de compaixão geral – como era o meu caso – pode estar na hora de dar um passo para trás para olhar o tipo de energia que está alimentando. Ficamos tão envolvidos em nossas responsabilidades que muitas vezes esquecemos que também temos a responsabilidade de cuidar de nossas necessidades, por incrível que pareça.

Você pode até ter um dever para com seus amigos, seu parceiro ou seus filhos – mas, acima de qualquer coisa, você tem a obrigação de cuidar de si mesma/o e de seu corpo físico e do seu estado emocional.

Acompanhe os novos textos através do: http://www.facebook.com/aheloisalima

E, se desejar, envie seus comentários para: psicologaheloisalima@gmail.com

Um pensamento sobre “SOBRE ME RECRIAR

Deixe uma resposta para Edsilva Cancelar resposta

Faça o login usando um destes métodos para comentar:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s