VOCÊ É APENAS MAIS UM TIJOLO NA PAREDE?

Imagem Movimento Pink Floyd The Wall

“Quando crescemos e fomos à escola,
Havia certos professores que
Machucariam as crianças da forma que eles pudessem.
Despejando escárnio
Sobre tudo o que fazíamos
E expondo todas as nossas fraquezas.”

In: Another Brick In The Wall– de Pink Floyd

Em seus concertos, Roger Walters une seu gênio musical às questões sociais mais prementes de nossos dias, incluindo a guerra permanente, a violência policial, os crimes da ocupação israelense contra os palestinos, incluindo o assassinato do jornalista palestino Shireen Abu Akleh e a prisão de Julian Assange.

Quando Waters cantou a música “The Powers That Be”, acima dele nas enormes telas de vídeo estão cenas animadas de brutalidade policial. Os nomes de George Floyd, Eric Garner, Breonna Taylor e outros brilham por cima. Seu crime é listado como “Ser Negro”. Sua punição é listada como “Morte”.

Imagens do vídeo do Assassinato Colateral, do bombardeio israelense de Gaza e de numerosos outros assassinatos policiais, incluindo os do sírio Ali al-Hamdan, morto pela polícia turca; Rashan Charles, morto pela polícia britânica; Matheus Mello Castro, baleado pela polícia no Brasil, fornece o pano de fundo para sua música. Slogans de resistência apimentam a performance. “F drones, F a Suprema Corte, F Ocupação. Você não pode ter ocupação e direitos humanos.” Ele dedica uma música aos protetores da água em Standing Rock, e tem uma montagem de presidentes dos EUA, de Ronald Reagan a Joe Biden, todos corretamente rotulados como criminosos de guerra.

Waters nos devolve à época em que os artistas não eram despojados de autoridade moral por interesses comerciais. Ele está inequivocamente com os oprimidos. Ele se posiciona inequivocamente contra as forças da opressão como Victor Jara, Mercedes Sosa ou Woody Guthrie de outra época. Ele nos lembra de por quem devemos lutar e contra quem devemos lutar.

Daí fiquei interessada em conhecer a história do famoso álbum, The Wall, considerado um dos mais criativos da história do rock.

Descobri tratar-se de uma combinação entre imaginação e a vida do próprio autor. 

Desde o lançamento do álbum de estúdio em 1979, a turnê entre 1980 e 1981 e o filme de 1982 (dirigido por Alan Parker), o The Wall se tornou sinônimo, se não a própria definição, do termo “álbum conceitual”. Surpreendentemente explosivo no registro, incrivelmente complexo no palco e visualmente dinâmico na tela.

Na história, baseada na trajetória de vida de Roger, Pink é um astro do rock que se utiliza das drogas a fim de sair de órbita e, desta forma, construir uma parede imaginária (The Wall) que o separe do público. Ele rememora a morte do pai,  sua relação com uma mãe extremamente destrutiva e as punições cruéis que sofreu dos seus professores.

Desde o início, a vida de Pink gira em torno deste abismo de perda e isolamento, e que se inicia durante os conflitos finais de uma guerra que custou a vida de quase 300.000 soldados britânicos – o pai de Pink entre eles. Com uma mãe super protetora que se reveza entre atitudes de amor e de imposição do medo, nosso herói busca construir o muro que lhe garanta, além de alienação em relação aos problemas emocionais, um mínimo de equilíbrio.

Todos os incidentes que causam a dor rosa são mais um tijolo em sua parede: uma infância sem pai, uma mãe dominadora, um rígido sistema de educação empenhado em reproduzir engrenagens complacentes na roda da sociedade, um governo que trata seus cidadãos como peças de xadrez, a superficialidade do estrelato, um casamento distante, até mesmo as próprias drogas para as quais ele se volta para encontrar a liberação. 

Enquanto isto sua parede se aproxima da conclusão, em um verdadeiro País das Maravilhas da insanidade. 

É então que a gravidade das escolhas de sua vida se instala. Agora acorrentado a seus tijolos, Pink assiste, impotente, sua psique fragmentada se unir à personalidade ditatorial que antagonizou o mundo durante a Segunda Guerra Mundial, matou seu genitor e afetou sua vida desde o nascimento. 

Finalmente, ele torna-se um ditador fascista. A síntese do terror que assassinou seu próprio pai.

A narrativa culmina em um rico e profundo julgamento mental que termina com uma mensagem que é tão enigmática quanto o resto de sua vida. Se, em última análise, é vista como uma história cínica sobre a futilidade da vida, ou uma jornada esperançosa de morte e renascimento metafórica, The Wall é certamente um marco musical digno do título “arte”.

Assim, o filme retrata a construção e a demolição final de um muro metafórico onde a própria parede reflete claramente uma sensação de isolamento e alienação.

Tudo indica que Waters, atualmente com setenta e nove anos, chegou a uma reconciliação com seu passado e a atual produção contemporânea do The Wall Live visa demonstrar sua preocupação com a forma com que as forças, por trás desses males, têm se infiltrado nas sociedades de maneira assustadora.

Isto posto, esta introdução servirá para que eu faça a seguinte afirmação: um início de vida pobre de recursos afetivos fatalmente redundará numa promessa existencial miserável.

Todo ser humano privado de afetos, acolhimento e compreensão terá todas as chances de tornar-se potencialmente um psicopata, capaz de feitos notavelmente desumanos e, a despeito do medo e isolamento vivenciados, reagir como o carrasco que o criou. Criatura e criador partilhando de uma mesma e pérfida essência.

Pink não só perdeu seu pai muito jovem, como precisou lidar com um sistema de ensino deveras inflexível e fechado. Além disso, conviveu com uma mãe que lhe sufocava com o que entendia ser ‘amor’, ao mesmo tempo em que lhe enchia de temor e desconfianças acerca do mundo lá fora, tão hostil e perigoso. Exatamente como ele se tornou na vida adulta.

Narcisistas, psicopatas e sociopatas não têm um senso de empatia e não desenvolvem a capacidade de realmente amar alguém.

Isso não muda quando eles têm filhos. Não há o instinto primordial para proteger e encorajar seus filhos, porque estes não são vistos como uma personalidade separada. São apenas uma ferramenta à sua disposição.

Assim, tendem a ver as crianças como uma extensão de si mesmos, uma espécie de objeto de possessão. Então, ao invés de dizer, ‘vou nutrir você para que possa crescer e ser a pessoa incrível que deveria ser‘, eles dizem ‘você deve crescer e fazer o que eu ordenar para que eu possa exibi-lo como meu troféu”.

Em vez de ser ensinada e estimulada a acrescentar valores ao mundo que o rodeia, o filho desse pai cresce sem conhecer seu próprio senso de identidade e sem qualquer noção acerca de limites.

A relação psicótica criada por este pai almeja fazer com que a criança preencha todos os tipos de funções que não deveria ter como, por exemplo, perpetuar o modo de pensar e de ser dele. 

Aparentemente, a única razão pela qual ele cria uma família é a de satisfazer seu desejo egóico de garantir que alguém o reproduza mesmo depois de sua partida. Ou seja: criatura validando a loucura do seu criador.

Os filhos são usados como meros bodes expiatórios. E este tipo de pai vai se divertir jogando uns contra os outros, a fim de criar competições desnecessárias.

Pais monstros criam monstros?

A resposta, você já deve imaginar, é um retumbante SIM.

Quando o filho de pais psicopatas cresce, poderá sentir que algo está errado, mas é bem possível que jamais identifique o que isto significou e ainda significa na sua vida. 

Se você vir aquele político infame, desumano e narcisista, que leva seus filhos a seguirem o mesmo caminho que ele, você entenderá do que se trata. E lamentará ter acreditado nessas criaturas.

“Metade do estrago causado neste mundo acontece porque pessoas querem se sentir importantes. Elas podem até acreditar não lesarem nada, mas o dano que causam não lhes interessa. Estão cegas em sua luta infinita de pensarem apenas em si mesmas.”  T. S. Eliot

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