“Êh, vida, vida, que amor brincadeira, à vera.
Eles se amaram de qualquer maneira, à vera.
Qualquer maneira de amor vale à pena,
Qualquer maneira de amor vale amar.
Pena, que pena, que coisa bonita, diga,
Qual a palavra que nunca foi dita, diga,
Qualquer maneira de amor vale aquela.
Qualquer maneira de amor vale amar.
Qualquer maneira de amor vale à pena.
Qualquer maneira de amor valerá.”
In: Paula e Bebeto – de Milton Nascimento
Por que uma atriz brasileira, conhecida por suas participações em novelas de sucesso, resolveu buscar holofotes justamente agora e, aparentemente, sem o menor motivo?
E decidiu escancarar sua faceta mais perversa, espertamente escondida sob personagens, muitas vezes, até interessantes e sensíveis. e guardou a velhice, e a própria decrepitude moral, para mostrar exatamente aquilo que escondeu por anos a fio, sem que os colegas ou o público, ávido por humanidade, percebesse?
A atriz Cássia Kis, há poucos dias, se dispôs a abrir o poço vil de sua alma atormentada para destilar ódios e discriminações contra milhões de pessoas espalhadas pelo mundo, e cuja orientação sexual ela acredita ter o direito de julgar.
Afinal, quem é esta odiosa criatura na fila do pão?
Uma boa pista pode ser oferecida pelo momento historicamente difícil que nós, seres humanos, ao redor do mundo, enfrentamos diante dos verdadeiros psicopatas que se encontram agarrados ao poder, e fazendo qualquer negócio para permanecerem ali.
Desta forma, com este tipo de “liderança”, os piores tipos resolvem sair de suas tumbas para desempenhar abertamente aquilo que sempre fizeram de maneira discreta ou particular.
Sim. Porque ninguém se torna ruim ou se torna psicopata.
UMA PSICOPATA NASCE ASSIM.
Então, Cássia Kis, que sempre fingiu uma abertura e leveza que não possuía, escolheu ser o que é. Uma pessoa pérfida.
Incentivada por uma entrevistadora estranhamente ‘complacente demais’, desandou a vomitar todo a sorte de hostilidades e preconceitos que desvelaram, publicamente, a verdadeira essência que buscava, até então, esconder.
Uma análise do viés implícito neste tipo de declaração explícita envolvendo a orientação sexual de outrem, pode ajudar a explicar os fundamentos do bullying contra a população LGBTQI+ e os crimes de ódio.
Não seria, na verdade, o ódio contra si? Quer dizer: a não aceitação do que se sente e do que se é, de fato e de direito?
Porque, se não, reflita: uma pessoa em paz e feliz com sua própria sexualidade ia lá ter tempo de se preocupar, de se incomodar, com a sexualidade dos outros?
Pense aí. É de graça.
Homofóbicos deveriam considerar fazer um mínimo de autorreflexão. Porque existem estudos robustos explicando que indivíduos que são mais hostis aos LGBTQI+s e que se incomodam sobremaneira com suas presenças na vida devem sentir desejos pelo mesmo sexo, ainda que disfarçados.
Portanto, proponho que você pratique um mínimo de honestidade. Se está tendo esse tipo de reação visceral em relação a pessoas, simplesmente pelo motivo delas serem diferentes de você, pergunte a si mesmo: ‘Por quê?‘
E quem deu esta ideia foi Richard Ryan, professor de psicologia da Universidade de Rochester e autor de livros sobre o tema. “Essas emoções intensas devem servir como um chamado à autorreflexão.”
Uma pesquisa coordenada por ele, e publicada no Journal of Personality and Social Psychology, revela que todos os tipos de preconceitos podem, em última análise, desembocar em consequências terríveis.
O fato é que a homofobia se encontra entre os 10 comportamentos mais destrutivos para as relações humanas.
Existem inúmeros relatos confirmando que agressores carregam impressionantes doses de raiva e de ódio, que podem elevar sua brutalidade a níveis terríveis, com o poder de transformar a violência em um verdadeiro terrorismo político.
“Em uma sociedade que se deseja predominantemente heterossexual, conhecer a si mesmo pode ser um desafio para muitos indivíduos“, disse Netta Weinstein, professora da Universidade de Essex, que conclui:
“Mas em famílias controladoras e homofóbicas, assumir uma orientação sexual ‘minoritária’ pode ser aterrorizante.”
A homofobia pode finalmente ser observada como um indicador do próprio conflito interno da pessoa com sua orientação sexual. Este conflito íntimo pode ser claramente visto nos casos em que figuras públicas declaradamente homofóbicas são descobertas envolvidas em atos com o mesmo sexo, afirmam os estudiosos.
Em 2010, o proeminente ativista anti-gay e cofundador do ultra conservador Conselho de Pesquisa da Família, George Rekers, foi visto, fotografado e denunciado durante suas férias acompanhado por um jovem rapaz contratado por ele em um site gay.
Se rimos ou zombamos de tal hipocrisia flagrante, é importante perceber que essas pessoas podem ter sido vítimas da repressão e experimentado sentimentos exagerados de ameaça.
A homofobia não é motivo de riso porque pode ter consequências trágicas. Como são os casos envolvendo tantos crimes.
Mas por que tantas figuras do mundo da arte, da política ou da religião, que lutam contra os direitos dos homossexuais, são frequentemente implicadas em encontros sexuais com parceiros do mesmo sexo?
O pregador e líder evangélico Ted Haggard – casado, pai de cinco filhos e conhecido por sua luta contra o casamento gay – pregava que a homossexualidade era um pecado, mas precisou renunciar em 2006, após um escândalo envolvendo um garoto de programas com quem também consumia metanfetaminas; Larry Craig, um senador dos Estados Unidos que se opôs à inclusão da orientação sexual na legislação sobre crimes de ódio, foi preso por suspeita de conduta lasciva em um banheiro masculino e Glenn Murphy Jr., líder da Convenção Republicana Jovem e um oponente do casamento homossexual, foi acusado de agressão sexual contra um outro homem.
Javier Armando Pascagaza, líder e fundador da Fundación Marido y Mujer, ONG colombiana que defende a manutenção da “família tradicional” e luta contra o casamento homoafetivo – além de também ter conseguido anular vários destes enlaces – foi ‘acusado’ de ser gay por um ex-colega do seminário da Companhia de Jesus, que Javier cursou visando tornar-se padre jesuíta.
George Rekers, conhecido ativista anti-gay, psicológo e cofundador do Family Research Council – uma organização conservadora que milita contra os direitos LGBT – foi pego com um garoto de programa do site Rentboy.com, em maio de 2010, registrado por câmeras enquanto voltava de uma viagem pela Europa. O jornal Miami New Times publicou o ‘escândalo’ mostrando a história.
O brasileiro Sérgio Viula, casado por 14 anos e pai de dois filhos, foi um pastor batista e líder do MOSES (Movimento pela Sexualidade Sadia) que condena a homossexualidade afirmando que “Deus condena a intimidade entre iguais” e declara o objetivo de “curar gays” ensinando-os a reprimir sua sexualidade. Ocorre que em 2002 Viula, cansado de tentar sem sucesso reprimir sua atração por homens, abandonou o movimento e assumiu sua homossexualidade.
O empresário e congressista americano David Dreier começou na política em 1978 aos 25 anos e fez uma carreira de sucesso até se aposentar em 2013. Foi um grande opositor dos direitos LGBT até que o público descobriu o que todo o Congresso americano já sabia: havia um envolvimento amoroso entre Dreier e seu chefe de gabinete, David, e ambos viviam juntos no sul da Califórnia há muitos anos.
O republicano Steve Wiles sempre foi um forte opositor à união entre casais homossexuais americanos. Porém, em maio de 2014 a imprensa noticiou que ele trabalhara durante anos como drag queen num clube gay da Carolina do Norte utilizando o nome de Miss Mona Sinclair.
Há menos de um ano,o americano Omar Mateen matou 49 pessoas numa boate frequentada pelo público LBGT de Orlando. Logo depois, foi revelado que o atirador visitava o local com frequência e também se utilizava de aplicativos para encontros gays.
O deputado brasileiro Douglas Garcia, do PSL, usou as redes sociais para dizer que é gay. Ele havia sido acusado de homofobia após fazer uma declaração sobre transexuais.
Uma tese bastante crível é que os impulsos homossexuais, quando reprimidos por vergonha ou medo, podem ser expressos como homofobia. Freud famoso chamou este processo de uma “formação reativa” – a batalha furiosa contra o símbolo exterior de sentimentos que estão internamente sendo sufocados.
É uma teoria convincente – e há muito persistem razões científicas para nela acreditar. A citada edição do Journal of Personality and Social Psychology fornece evidências empíricas de que a homofobia pode resultar, em grande parte, da supressão do desejo pelo mesmo sexo.
Mas é importante enfatizar o óbvio: nem todos os que se desagradam com a homossexualidade são gays que sentem secretamente atração pelo mesmo sexo.
Aqueles que feroz e insanamente lutam contra os LGBTs sejam, provavelmente, indivíduos lutando contra aspectos de si mesmos, tendo sido eles próprios vítimas da opressão e da falta de aceitação.
A vergonha de ser homossexual interiorizando a homofobia.
A vergonha é um dos mecanismos mais poderosos através dos quais a ordem social pretende se “manter” e manter a todos sob seu poder, seja para impedir o que “normal” se afaste do “caminho certo” ou empurrando o “anormal” para se esconder e permanecer invisível.
Mais radicalmente, a vergonha acerca da homossexualidade expõe a crença no mito de que há, de fato, nas dobras do corpo ou nas profundezas da consciência, um “algo” para se esconder ou se revelar – e o que é exatamente convidado para se envergonhar.
Da vergonha para o orgulho.
Por isso o orgulho sentido pela enorme comunidade LGBTQI+, parece refletir uma compreensão de que, enfim, sua invisibilidade por ‘vergonha’ foi uma das principais maneiras que se exerceu sobre eles a dominação tanto simbólica quanto dolorosamente concreta.
A construção da identidade “gay”, tanto pessoal como coletiva, trabalha especificamente para resistir a este mecanismo cínico e perverso.
O orgulho de ser quem se é, o primeiro passo para a apropriação da identidade homossexual que irá inverter o estigma com honradez, bem como ajudar no caminho entre o privado e o público, desarmando o insulto inicial que alega propriedade de uma ‘verdade’ que foi designada pela camada da sociedade que não se envergonha de ser injusta, hostil, preconceituosa e intolerante.
Esta comunidade mobilizada, então, torna-se um refúgio e uma proteção para os seus integrantes a fim de reconstruir sua dignidade longe das abstrações que, quando internalizadas e ligadas entre si, geram ódios, vergonha e falta de (auto) aceitação.
Portanto, lembre-se: mais amor, por favor. Sempre. E aceite o outro como ele é. Aceite-se também. Sem tirar nem pôr. Aqui e agora. Já.
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Ela perdeu a oportunidade de ficar calada!