“A violência está em todo lugar.
Não é por causa do álcool,
Nem é por causa das drogas.
A violência é nossa vizinha.
Não é só por culpa sua,
Nem é só por culpa minha.
Violência gera violência.
Violência doméstica violência cotidiana,
São gemidos de dor todo mundo se engana.
Você não tem o que fazer saia pra rua
Pra quebrar minha cabeça ou pra que quebrem a sua.“
In: Violência – de Titãs
Segundo o dicionário informal, o termo pastor teria se originado no grego poimén, aquele que ‘apascenta’ – que significa conduzir à paz como um pacificador. Ou aos pastos. Aquele que cuida, alimenta e protege as ovelhas das bestas feras.
O problema é que grande parte destes ‘pastores’, na verdade, são os próprios lobos devoradores.
Lembram daquela mulher autointitulada ‘pastora’ (sic) que, junto do marido, autointitulado ‘pastor’, costumava dar conselhos amorosos aos desavisados casais que nutriam algum tipo de ilusão em relação a estes tipos de ‘missionário’?
Tempos depois de casados, a mulher-pastora denunciou seu marido-pastor acusando-o de molestar seu filho, segundo informações de uma das babás. Segundo esta, o menino – à época com cinco anos de idade – fora vítima do homem com o qual casara há menos de três anos. A funcionária já havia denunciado fatos muito estranhos e suspeitos relacionados às atividades do padrasto com garotinho. E isto ocorria há inexplicáveis dois anos!
Ocorreu-me, então, fazer a pergunta incômoda que provavelmente poucos fizeram: até que ponto certas pessoas serão capazes de ir para fingirem um equilíbrio que NÃO possuem e uma felicidade que NÃO sentem?
Portanto, não se pode subestimar a habilidade de um agressor precisamente porque ele tem total entendimento de qualquer situação na qual se envolva. Aliás, só se envolvem quando podem controlar tudo.
Os abusadores sabem que as “famílias” fazem qualquer coisa para manterem as aparências. Desta forma, ele fica no controle. E este controle só é mantido pelo silêncio e a cegueira dos adultos próximos – cúmplices que preferem fingir não enxergarem as pistas que constantemente são deixadas como rastros de sangue.
E pistas podem aparecer tanto nos comportamentos e nas opiniões expostas pelo malfeitor quanto em seu jeito de se relacionar com pessoas e problemas de maneira geral.
Meu conhecimento e minha experiência clínica me levaram a crer que o silêncio, junto ao desconhecimento e à desinformação, tem sido o maior e mais feroz aliado deste crime.
Quando um adulto se cala a respeito dos perigos e das armadilhas às quais as crianças estão cotidianamente expostas, está colocando-as frente ao mundo adulto e diante de seus potenciais algozes, de forma despreparada e desprotegida.
Não conversar abertamente com as crianças a respeito do assunto, no meu ponto de vista, caracteriza uma forma de abandono. Mais que isso: uma certa conivência com a trágica situação que daí poderá advir.
Registro isto porque foi exatamente quando escrevi sobre crianças, principalmente sobre as meninas que são as presas preferenciais do predador sexual, que recebi muitas cartas e depoimentos de pessoas que, vítimas deste crime hediondo, me fizeram compreender outro aspecto fundamental neste drama:
O possível e complicado processo de recuperação do inevitável trauma que irá se instalar só ocorrerá se houver uma compreensão geral e irrestrita de que em nenhum momento e de forma alguma estes jovens e crianças tiveram qualquer responsabilidade sobre esta terrível e penosa experiência.
Uma das inquietantes facetas da personalidade doentia do malfeitor é a de que ele tem absoluta consciência da impropriedade de seus desejos e instintos.
Por isso, como predador que é, rastreia o ser indefeso com o qual possa estabelecer uma relação de poder unilateral na medida em que tudo o que o pretende é subjugar e retirar toda e qualquer capacidade de resistência contra suas investidas.
O criminoso prevê cada passo com astúcia e precisão, contando com a perspectiva da impunidade, por um lado, e com o medo da vítima e da família, por outro.
Além do mais, sem informações adequadas e sem uma transparente educação sexual voltada para a consciência do próprio corpo e para os limites que os cuidados com ele devem impor, não há como prever o primeiro ataque, assim como não existe muita chance deste escapar.
Não, se considerarmos que vivemos numa sociedade extremamente doente, onde o individualismo é a moeda corrente e a frieza é o comportamento que nos domina.
Se fôssemos uma comunidade mais amorosa onde as pessoas, além de seus afazeres diários e de suas tarefas cotidianas, tivessem oportunidade de conversar e trocar ideias, o entendimento e a convivência ocorreriam com muito mais prazer e harmonia e, certamente, nos sobraria TEMPO – esta mercadoria tão valiosa pela qual os homens matam e morrem – e nos caberia muito mais amor e afeto a serem compartilhados.
Mas não é assim que ocorre em nossa em nossa tão combalida e desafortunada sociedade, onde ninguém consegue cuidar do outro com a atenção e o carinho que todos necessitamos.
Justamente por conta disto é que, nos casos em que a pessoa é mantida como refém deste abuso, a razão reside única e exclusivamente na falta destas condições e do aporte familiar, aliados a inexistência de uma rede de apoio capaz de acolhê-la e socorrê-la. E isto, em se falando de Brasil, é praticamente uma utopia.
Depois de sofrer a violência, a vítima também não conta com ambientes propícios à revelação, que poderiam envolver, além da família, a escola ou algum grupo de apoio ao qual eventualmente pudesse recorrer.
Mesmo assim, para a maioria destas pessoas, sejam homens ou mulheres, o fantasma da culpa é um indesejável coadjuvante que, muitas vezes, permanece ao seu lado por um longo e sofrido tempo.
Reconhecer o trauma, ter espaço e condições para falar sobre ele com pessoas preparadas para compreender a profundidade da dor que provoca, oferecendo acolhimento incondicional e sem julgamentos, são condições básicas para que a superação se dê.
E, desta maneira, extirpar o tormento, como quem retira um tumor maligno, se torna o caminho viável para se alcançar a plena sanidade e o almejado equilíbrio.
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