MEDO DE MORRER, VOCÊ TEM?

Imagem Movimento Medo

“Eu sei que determinada rua que eu já passei,
Não tornará a ouvir o som dos meus passos.
Tem uma revista que eu guardo há muitos anos
E que nunca mais eu vou abrir.
Cada vez que eu me despeço de uma pessoa,
Pode ser que essa pessoa esteja me vendo pela última vez.
A morte, surda, caminha ao meu lado
E eu não sei em que esquina ela vai me beijar.”

In: Canto Para a Minha Morte – de Raul Seixas

A ideia de morrer e o medo que provoca, atinge o ser humano como poucas coisas conseguem. E este horror pode moldar nossos preconceitos, nossos projetos de vida, nossas orientações políticas, a forma como criaremos tanto os nossos laços afetivos quanto os nossos filhos e até o que escolheremos estudar, além das coisas nas quais decidiremos acreditar.

Para se entender a dimensão do problema, é importante saber que a ansiedade diante da morte está no centro de vários distúrbios mentais, incluindo ansiedade patológica, transtorno do pânico e transtornos depressivos e compulsivos, dentre outros. 

E, acredite, estamos com muito medo de raciocinar sobre isso neste exato momento.

Falamos o tempo todo, e com indisfarçado orgulho, sobre como podemos ser física e mentalmente adaptáveis diante das incontáveis adversidades da vida.

O fato é que esta ideia pode, intrinsecamente, indicar que é possível sermos felizes à beira da morte. Basta refletirmos mais seriamente acerca disto. Vamos?

Oito entre dez pessoas se sentem desconfortáveis ​​em falar sobre o tema e apenas um terço delas já decidiu escrever um testamento, por exemplo.

A verdade é que eu acredito numa coisa. Você vai se acostumar com a ideia de morrer, como todos nos acostumamos com uma série de outras coisas. 

O choque inicial, depois de receber um mau prognóstico, pode ser terrível; mas depois de dias, meses ou anos vivendo com esse conhecimento, o medo desaparece e a serenidade toma seu lugar. Confie em mim.

Lembre-se de que a grande maioria dos nossos receios não nasce com a gente, mas é aprendida através de experiências traumáticas ou enquanto observamos as reações das pessoas mais próximas diante dos seus próprios medos.

E, olha, garanto que os pais são muito capazes de ensinar diversos medos aos seus filhos. Ainda que nem imaginem que estejam a fazê-lo.

Assim, o medo pode aparecer na infância e ficar impresso automaticamente em nosso inconsciente.

Mas, como Freud bem registrou, se decidirmos conscientemente ignorar nossos medos, o corpo nos trairá através da angústia ou da doença – uma vez que ele tem a sua própria memória. E se decidirmos ‘apagar’ nossos traumas, ele tratará de nos fazer lembrar, uma vez que esta angústia se transformará em uma tensão física que não tem condição de ser elaborada conscientemente.

Todo o afeto de uma tensão recalcada será deslocado e – deste modo irreconhecível – reaparecerá transformado em uma doença ou numa angústia que parece não apresentar um motivo aparente.

Logo, o medo tem a vantagem de ser focado em um objeto. É quase um ‘avanço’ em relação à angústia. De algum jeito, todo o medo tem uma função estruturante. Introduz uma ‘ordem’ na desordem das nossas emoções mais difusas.

Diante disto, a morte – fonte das nossas maiores angústias – longe de ser uma mera abstração, permanece como um tema do qual, invariavelmente, tentamos fugir como se acontecesse apenas com o outro ou na família de alguém.

Por ser quase sempre encarada sob o enganoso filtro do pretenso ‘distanciamento’, sua concepção foge tanto do círculo das conversas gerais quanto das preocupações de ordem acadêmica ou educacional. Nos acostumamos a refletir sobre os mais diversos temas: história, geologia, matemática, psicologia, etc.

Enfim, é interminável a lista de coisas que podemos estudar, experimentar, questionar, aprofundar e aprimorar. Mas no que se refere à nossa finitude, quase nada é seriamente debatido ou aprendido no dia a dia, nas academias ou, mesmo, desenvolvido e assimilado como parte natural da vivência humana.

Para o senso comum, parece que ninguém morre e só interessa o que e quem vivo permanece. Para a sociedade de consumo nada se desintegra. Nem a vida e nem a juventude que se cristaliza nas dissimuladas aparências de imortalidade que muitos imaginam poder adquirir.

Envelhecer e morrer, portanto, parece ser para os fortes!

Porque os fracos acreditam na falsa promessa de uma espécie de vida eterna e na ilusão da continuidade do que somos, do que fazemos e do que deixaremos para a tal ‘posteridade’ da qual não temos certeza nem controle.

Bobagens que só tentam encobrir o fato irrefutável de que morreremos um dia. Todos nós. E isto, diferente de tudo o que experimentamos, é totalmente garantido.

O medo é uma emoção humana e está longe de ser uma doença. É um estado de insegurança, de angústia e de impotência que avança com a idade e, principalmente, quando percebemos nossa incapacidade diante de algo que gostaríamos de evitar e que, progressivamente, nos percebemos incapazes mudar. 

Nossos medos, de acordo com seu grau de extensão, poderiam ser classificados assim: 1. Prudência; 2. Cautela; 3. Alarme; 4. Ansiedade; 5. Pânico (medo intenso); 6. Terror (medo intensíssimo).

Em relação à morte podemos inferir que a sensação se encontra entre os graus 4 e 6, o que significa que lidamos muito mal com sua existência enquanto parte natural da vida.

Mas a questão crucial que envolve o medo da morte é justamente o fato dele poder se tornar desproporcional, irracional e limitante.

Logo, a ameaça de perder a vida pode tornar-se tão central e aterrorizante, que o fóbico passa a evitar toda e qualquer situação que se apresente enquanto uma potencial ameaça à sua integridade.

Em menor ou maior grau, muitos de nós acabamos por comprometermos a vida pessoal e social em função disso. Esta constatação me leva a concluir que a morte, desde sempre, foi e continua sendo negligenciada e considerada um tabu uma vez que permanece associada ao sofrimento e a angústia, exclusivamente. E os temores de se deparar com a inescapável experiência são deflagradores de sofrimentos físicos, além de reações fisiológicas e orgânicas marcantes que contribuem para alterar a capacidade e a autonomia do ser.

O fato é que esta incompreensível lacuna pode ser transformada se compreendermos que, tratada com clareza, destemor e respeito, a perspectiva do fim pode nos oferecer um momento muito precioso de significação e de finalização de diversos aspectos da vida.

Afinal, quem não deseja falar aquela verdade a alguém? Ou confessar algo que considera importante? Ou ensinar uma coisa que descobriu e que jamais dividiu com outros? Quem não deseja finalizar algo ou falar com alguma pessoa – ainda que pela derradeira vez?

Então, o silêncio e as mentiras que teimam em acompanhar este momento, impedem que muitas coisas importantes sejam sentidas, vividas e faladas. Um belo ato final tolhido pelo medo dos que ficam – mas que inevitavelmente experimentarão isto na própria pele, ainda que prefiram se enganar.

Afinal, entender que tudo isto que existe agora um dia não existirá mais – independente do que somos ou do que temos – não é uma verdade desoladora. É apenas um sinal elementar. E aceitar esta evidência que nos revela a transitoriedade da nossa existência pode transformar o instante atual de vida, este nosso “agora”, em algo extraordinário a ser vivido com intenso e verdadeiro encantamento.

E que tal pensar mais serenamente sobre isso? Amanhã? E por que não agora?

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