“Um dia me disseram
Que as nuvens não eram de algodão.
Um dia me disseram
Que os ventos às vezes erram a direção.
E tudo ficou tão claro,
Um intervalo na escuridão.
Uma estrela de brilho raro,
Um disparo para um coração.”
In: Somos Quem Podemos Ser– de Engenheiros do Hawaii
Existe uma ferida que dilacera nosso coração e nos consome sem deixar marcas aparentes, devagar e silenciosamente, nos empurrando para o abismo sem que percebamos ter dado um passo sequer na direção do inferno.
Primeiro, nosso estojo de lápis de cor vai se esvaziando, até que restem unicamente o cinza ou o preto. Nossos espaços vão ficando mais escuros e, aos pouquinhos, as janelas vão se fechando. Permitimos que isto aconteça porque não encontramos mais forças para deixar a claridade nos invadir.
Ficamos encolhidos no canto mais frio e escuro, nos agarrando ao mísero vigor que nos resta.
No começo contamos com a débil lanterna que nos auxilia a antever uma única e reduzida direção. Nossos movimentos se tornam limitados de tal forma, que chega o dia em que nem uma réstia de luz seremos capazes de vislumbrar. E, paralisados, não saímos mais do lugar.
Não enxergamos mais qualquer saída, a despeito de algumas que teimam em nos apontar. Nosso mundo se torna tão ameaçador que vivenciamos a clara sensação de impossibilidade de permanecermos nele.
E, sem que percebamos, encontramo-nos emocionalmente alijados da nossa própria existência e da consciência das pessoas que nos rodeiam, mesmo que estejamos cercados de gente por todos os lados. Ainda assim, permanecemos como ilhas vazias e invioláveis.
Ao nosso redor, ninguém parece prestar atenção.
Afinal, vivemos numa comunidade tão doentia quanto entorpecida, onde o ‘copiar’ é sinônimo do ‘existir’.
Esta dor que destroça sem sangrar, não é desvelada nas radiografias, não é detectada nos exames de sangue e não aparece como evidência científica.
E, por conta disso, é quase sempre negligenciada pela família, pelos amigos, pelos psicólogos e até pelos médicos de maneira geral.
A depressão é o mal-estar da nossa civilização. É bastante democrática e, então, não escolhe sexo, idade, religião tampouco estado civil.
Nos últimos tempos fomos surpreendidos por inúmeras notícias dando conta de pessoas alegres, animadas, realizadas – aparentemente, é claro – cometendo suicídio. E, desta forma, o tema volta à baila apenas o tempo necessário para que a ‘novidade’ se esvaia e adentre o calabouço onde se escondem os verdadeiros e dolorosos enigmas humanos.
As pessoas tendem a acreditar que a pretensa ‘incongruência’ entre felicidade e desespero, seja uma simples exceção.
Parecem esquecer que vivemos tempos onde parecer vale milhões de vezes mais do que ser e onde todos se sentem compelidos a participar do inexorável e feroz jogo de aparência.
Sabemos que a depressão é constantemente confundida – de maneira irresponsável – com ‘frescura’, ‘fraqueza de caráter’, ‘insegurança exagerada’, ‘falta do que fazer e pensar’, e por aí continuam os insultos.
Mesmo dentro da área psi, quantas vezes não lemos ou ouvimos que basta um bocado de ‘força de vontade’, aliada a algumas doses de chá e conversa fiada, para que aquela difícil sensação desapareça por completo?
Ou você nunca ouviu alguém condenar indivíduos com depressão, sob cuidados medicamentoso, classificando-os como fracos?
Segundo a Organização Mundial de Saúde, OMS, até 2023 a depressão será a segunda maior causa de doenças em todo o mundo, com sua consequente perda de qualidade de vida – perdendo apenas para os problemas cardiovasculares.
Em um relatório bastante recente, a OMS indicou ainda que a depressão é hoje considerada a principal doença entre os adolescentes – citando acidentes de trânsito, aids e suicídio como as principais causas de morte entre 10 e 19 anos. E isso porque existem muitos adolescentes sem diagnóstico porque não pedem ajuda e porque os pais acham que os sintomas são típicos da idade.
A maioria absoluta das relações interpessoais, dentro da nossa sociedade, é totalmente fútil e superficial do ponto de vista existencial. Vivemos mergulhados em competições insanas, compelidos a parecer melhores, mais fortes, mais competentes, mais bonitos, mais interessantes, mais plenos que os demais.
Quase seres supremos e imortais. Mas somos mortais, certo?
No entanto, confesse: você tem certeza de que se enxerga mesmo mortal? Ou adia seus mais importantes planos para daqui a alguns anos ou para quando algo melhorar?
Pensar na mortalidade ou na inescapável solidão que ela representa (sim, ninguém estará com você ou lhe acompanhará nesta hora, não importando com quantos conviva agora), não dá uma angústia danada?
A finitude deveria ser considerada uma parte da vida. Os orientais nos ensinam com sua serenidade diante do tema. E esta compreensão se revela no respeito que mantêm em relação aos idosos – coisa muito estranha para nossa sociedade consumista que, simplesmente, sumariamente os “joga fora”.
A morte significa o fim natural de um ciclo que termina como terminam todos os demais. Feito a vida, que tem um início, um meio e um fim.
Nós, ocidentais, transformamos a morte em um tabu que precisa ser banido das conversas e das informações que passamos às nossas crianças. Desta maneira, todas as coisas que estejam ligadas ao assunto (ou doenças, hospitais, envelhecimento, asilos, etc.) ficam à margem, como se não fizessem parte natural da vida de todos nós.
Toda esta preleção para afirmar que nossa vida é suficientemente antinatural para justificar que usemos métodos antinaturais para tratarmos destes malefícios.
Logo, remédios antidepressivos, ansiolíticos, etc., são fundamentais para grande parte dos casos de depressão. Pois só tratando dela será possível encontrar condição de elaborar questões a respeito das nossas inquietações. Fora disso, assistiremos o problema tornar-se inevitavelmente crônico.
Desta forma, preste atenção aos indícios desta doença que, sorrateiramente, atinge um número cada vez maior de pessoas: se alguém perto de você falar com insistência acerca da possibilidade de morrer; se não apresentar mais a vitalidade de antes; se estiver, cada vez mais, ausentando-se de seus compromissos sociais; se apresentar um desleixo inexplicável sobre sua própria figura; dormir mal e cuidar menos de sua aparência (alguns deixam de tomar banho, trocar de roupas arrumar o cabelo); se apresentar uma falta injustificada de vitalidade; se dormir mal, comer mal, tudo junto ou algumas destas coisas separadas, olhe com muito cuidado e carinho.
Esta pessoa que está perto de você, na verdade, já está muito distante de si e da vida. Ajude-a a procurar ajuda. Acompanhe-a e oriente-a.
E se, porventura, cruzar com um profissional que aconselhe práticas paliativas para escapar do mal, corra para bem longe dele, rapidamente, e leve a pessoa junto.
E lembre-se sempre: depressão não é um bicho de sete cabeças da qual nunca iremos nos livrar. Mas, quanto mais tempo levarmos para tratá-la, mais dor e menos saídas lograremos alcançar.
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