“Estou cansado de ser vilipendiado,
Incompreendido e descartado.
Quem diz que me entende nunca quis saber.
Aquele menino foi internado numa clínica,
Dizem que por falta de atenção dos amigos, das lembranças,
Dos sonhos que se configuram tristes e inertes.
Como uma ampulheta imóvel, não se mexe,
Não se move, não trabalha.”
In: Clarisse – de Legião Urbana
Um recente levantamento apontou que nos países desenvolvidos cerca de 50% dos casos de depressão não são diagnosticados e, desta forma, não chegam sequer a receber qualquer tipo de tratamento. Nos países em desenvolvimento esta taxa sobe drasticamente para 90% de casos não reconhecidos. O Brasil encontra-se nesta última estatística.
O diagnóstico de depressão, historicamente, baseia-se em critérios muito específicos e, invariavelmente, ‘psicológicos’. Porém, cada vez mais, se tem buscado envolver as dores físicas dentro deste rol – grande parte delas confundida com outras enfermidades.
É urgente compreender que a depressão atinge o corpo e a mente. Sem distinção.
E é assustador perceber que a maioria das pessoas (incluindo psicólogos, psiquiatras e demais médicos, de uma maneira geral) nem sabe que muitas destas agruras podem ser consequências diretas de um estado depressivo.
De acordo com uma grande pesquisa realizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a dor física é um dos sintomas da depressão grave.
Até recentemente o diagnóstico da depressão se baseava fundamentalmente em critérios convencionais do DSM IV (Classificação Internacional Americana para Transtornos Psiquiátricos), que incluíam tristeza, cansaço, desinteresse, distúrbios de sono, sensação de inutilidade, prostração, etc.
É essencial que todos os profissionais da área passem a considerar que, além da DSM IV, as queixas dolorosas precisam ser melhor exploradas.
E é possível alcançá-las, basicamente, com duas simples questões:
1. Você sofre de algum tipo de dor frequente no corpo? Foi tratado/a por conta desta dor nos últimos 12 meses?
2. Você teve dores de cabeça frequentes e intensas? Foi tratado/a por conta desta dor nos últimos 12 meses?
A agonia física muitas vezes testemunha a gravidade da depressão.
O estudo citado observou que as dores são, de fato, muito frequentes e afetam quase metade dos indivíduos deprimidos. Precisamente 49,7% das pessoas com depressão relatam pelo menos uma das duas queixas de dor descritas acima. Quando comparada à população em geral, essa proporção significa que o risco de dor é duas vezes maior para depressivos do que para pacientes não deprimidos. Além disso, a intensidade da dor aumenta com a da depressão. Ou seja: a dor grave é relatada por 52% das pessoas com depressão grave, contra 36% em caso de depressão leve.
Este tipo de afecção é, muitas vezes, parte dos sintomas da depressão e também comprova a intensidade dela. Logo, é muito importante considerar esta associação.
Os deprimidos que sofrem de dores no corpo consultam médicos menos vezes e tardam mais a procurar ajuda.
Neste contexto, dos 34% dos pacientes com depressão que consultam o médico, apenas metade é diagnosticada corretamente.
Sabe-se que queixas dolorosas associadas à depressão agravam muito mais a incapacidade funcional e ocupacional em comparação à depressão sem dor corporal, uma vez que nesta circunstância já foram identificados níveis extraordinariamente altos de hormônios do estresse, baixa energia, transtornos de humor, dor muscular e uma curva de desempenho mental e físico abaixo do normal.
A dor expressada pelos pacientes, diante de profissionais não esclarecidos acerca desta correlação, pode distorcer o diagnóstico e, portanto, ser uma das causas de atraso e/ou falta de tratamento correto.
Também é necessário compreender que a duração e a importância dos sintomas dolorosos são preditores da seriedade da crise. E que não tratar a dor corporal de uma pessoa com depressão aumenta o risco de recaída.
Na prática, dores persistentes envolvendo a região lombar ou abdominal, da mesma forma como LER (Lesões por Esforços Repetitivos), artrite, artrose, dentre outras, devem ser repensadas no sentido de se investigar comorbidades mentais.
O tratamento terá que considerar TODOS os sintomas psíquicos e físicos.
De acordo com estudos recentes, a falha em neurotransmissores que explicaria a depressão é a mesma que justificaria a dor física, já que o caminho nervoso é o mesmo.
A depressão é uma complicação do sofrimento crônico e, da mesma forma, um fator de risco. Quando a serotonina e a noradrenalina – dois neurotransmissores – estão em níveis baixos, ela é sentida mais profundamente. Ocorrendo no cérebro, faz com que as dores medular, cervical, lombar, abdominal e articular manifestem-se mais amplamente.
Indispensável enfatizar que, com o entendimento da relação entre depressão e sintomas dolorosos, a ciência contribui para a descoberta de drogas que atuem de forma simultânea nos dois neurotransmissores citados.
A depressão afeta cerca de 300 milhões de pessoas no mundo, e estima-se que a doença atinja mais mulheres do que homens. No Brasil, a saúde mental é uma das grandes preocupações de 75% da população.
A dor e a depressão estão intimamente relacionadas. A depressão pode causar dor, e a dor pode causar depressão. Às vezes, a dor e a depressão criam um ciclo vicioso em que uma piora os sintomas da outra para, em seguida, ambas se agravarem.
Em muitas pessoas, pode causar sintomas físicos inexplicados, como crises extremamente dolorosas em determinadas partes do corpo. E estas podem ser o primeiro ou o único sinal de depressão.
A dor incapacitante (como a fibromialgia, por exemplo) pode causar baixa autoestima além de problemas emocionais, profissionais e financeiros.
O fato é que pessoas com depressão há muito entenderam que a desordem afeta todo o corpo, e este é o primeiro estudo que comprova que ela é realmente uma doença sistêmica e não apenas mental.
Uma outra pesquisa internacional denominada Verdade Dolorosa confirmou que sintomas físicos penosos como dores nas costas ou de cabeça – aparentemente insondáveis – além de distúrbios gastrintestinais e padecimentos persistentes e indefinidos, têm grandes chances de serem sintomas típicos da depressão.
Em síntese: a dor pode ser parte do quadro clínico da depressão e permanece ainda enquanto um aspecto negligenciado na maioria dos casos. Isto certamente contribui para o atraso ou até total ausência de diagnóstico adequado de para muitos enfermos.
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Diagnosticar e tratar o quanto antes. Só assim, se evita o pior.