É CUIDANDO QUE SE GANHA

Imagem Movimento Mãos Dadas 5

“Eu busquei quem sou.
Você pra mim mostrou
Que eu não sou sozinho nesse mundo.

Cuida de mim enquanto não me esqueço de você,
Cuida de mim enquanto finjo que sou quem eu queria ser.
Cuida de mim enquanto não me esqueço de você,
Cuida de mim enquanto finjo…
Enquanto fujo…”

In: Cuida de Mim – de Teatro Mágico

As pessoas andam tão descuidadas umas com as outras que, por vezes, penso que se criou uma falsa impressão de que podemos sobreviver isoladamente ou sem parcerias solidárias.

Vivemos em um momento em que os ‘confrontos’ inutilmente solitários dominam cada vez mais nossas vidas, de modo que o recurso da solidariedade passa a ser não apenas necessário e humanamente oportuno, mas vital para nossa sobrevivência.

Às vezes, como bem nos lembrou Eduardo Galeano, ela se disfarça de caridade e isso é uma outra coisa, um outro ‘problema’, porque aqui este exercício é realizado verticalmente, ou seja, a partir daquele que ‘está acima’ para aqueles que ‘estão abaixo’.

Falo da verdadeira solidariedade. E exercê-la não é fácil.

Mas é urgente que pensemos muito nela quando falarmos sobre justiça social, sobre combater a crescente desigualdade, sobre igualdade de direitos e, acima de tudo, sobre poder exercê-los além do discurso. E isto atinge a grande maioria do planeta e não apenas alguns de nós.

E, assim, nada mais pertinente do que a reprodução deste sensível texto escrito por um educador português.

Com vocês, Paulo Geraldo.

“Os direitos das crianças, os direitos das mulheres, os direitos das minorias. Os meus direitos, os teus direitos, os nossos direitos, os direitos de todos. O direito ao bom nome, o direito à livre expressão, os direitos de autor. O direito de ter direitos. O estojo onde me sinto confortável, o teu ninho de comodidade… 

Não me incomodes e eu não te incomodo. Faz o que quiseres desde que não me pises. E não te metas na minha vida…  Mas a verdade é que não é possível fazer seja o que for com pessoas, tendo isto como fundamento.

Aquilo que juntou os homens não foram os direitos. Os homens não fizeram aldeias, vilas e cidades para virem a ter direitos. Fizeram famílias porque amavam, e o amor conduz naturalmente à união. E as famílias juntaram-se a outras famílias para virem a ser uma família maior.

Para se protegerem uns aos outros. Para tornarem mutuamente mais agradável os anos passados no planeta. Porque é fantástico termos ao nosso lado muitas pessoas que nos ajudam a crescer e a quem podemos tornar felizes.

O problema agora é que os homens já não percebem por que vivem juntos. Prezaram um certo tipo de independência – que é uma maneira de serem sozinhos. Tendo esquecido por que razão se juntaram, estorvam-se uns aos outros. São rivais: nas filas de trânsito, no supermercado, no trabalho. Na família. Há muitos que se sentem incomodados simultaneamente pelo fato de terem pais e pelo fato de terem filhos…

Aquele que envelheceu e já não pode valer-se a si mesmo é um incomodo para o que ainda não envelheceu. Aquele que fuma é um estorvo para o que não fuma. E aquele que não fuma estorva o fumador. O que está doente incomoda aquele que ainda é saudável. O que quer ouvir música é um estorvo para o que prefere o silêncio.

Os homens vivem perto uns dos outros, mas são sós. É uma estranha vizinhança. Como já não amam, tentam prolongar a união – talvez por hábito, talvez por medo, talvez por interesses – sem aquilo que tinha sido a causa da união.

Mas o convívio motivado por motivos desse gênero não pode subsistir. Não tem consistência nem alma. Não consegue passar de aparência de convívio. Usaram-se direitos e leis para tentar manter aquilo que não pode ser mantido apenas dessa forma. Para permitir que vários egoísmos se desenvolvessem lado a lado.

Em muitos aspectos, a nossa sociedade ocidental faz lembrar um quase-cadáver mantido por uma máquina que lhe faz artificialmente a respiração. Que lhe mantém funções que ele já não é capaz de realizar por si mesmo. Falta muito pouco para que aquele corpo comece a desagregar-se, porque já não tem alma.

Só o amor pode manter aquilo que deve a existência ao amor. E o amor não tem nada a ver com direitos. Leva a não pensar em si mesmo, ao sacrifício saboroso pelo outro, a esquecer os próprios interesses. O amor pede apenas o direito de não ter direitos. Quer perder-se no outro, morrer dando vida, gastar-se iluminando e aquecendo. Troca-se de bom grado por um sorriso feliz de quem ama.

O amor faz pelo outro muito mais do que aquilo que as leis dos homens lhe dão direito a receber. Faz muito mais que a justiça. É uma lei maior, que não está gravada em papéis, mas nos corações. Não terás necessidade de pensar no que te faz falta, se viveres rodeado por pessoas que resolveram tornar-te feliz. Assim, terás mais facilidade para, pelo teu lado, pensares no bem dos outros.

Se tiveres à tua volta pessoas que só pensam em si mesmas e nos seus interesses egoístas, terás de erguer os teus direitos como uma muralha que te defenda. Mete-te na vida dos outros. E mete a vida dos outros na tua vida.

É claro que devemos fazer isso, porque a vida deles é a nossa vida. Se as alegrias dos outros não forem as nossas grandes alegrias, nunca teremos verdadeiramente alegria. Se as dores dos outros não forem dores nossas, teremos dores muito piores.

Eu sei: tens medo de que não te retribuam; achas que se pensares nos outros eles não pensarão em ti; que poderás ficar diminuído por seres sempre tu a ceder… Mas quem foi que te disse que o amor era um negócio? Onde aprendeste que era uma atividade centrada em ti mesmo, destinada a dar-te satisfação?

O amor é um mau negócio: é, como escreveu Camões num soneto lindíssimo, «o cuidar que se ganha em se perder». É uma loucura que leva a acreditar que enriquecemos quando nos damos; que só somos nós mesmos quando não queremos saber de nós.

E, descansa, nenhum outro comportamento é tão contagioso.”

Paulo Geraldo é professor de Língua Portuguesa em Portugal.

E, se desejar, envie seus comentários para psicologaheloisalima@gmail.

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