“Nós somos ásperos por força do hábito,
Trazemos o sangue muito quente.
Vivemos de migalhas, promessas e batalhas,
Estamos rindo de nervosos.
Cobertos de feridas num beco sem saída,
No entanto o coração palpita.
Estamos lúcidos, atentos com fôlego,
Armados de fé até os dentes.
Truques, acrobacias, palhaços e magias,
Estamos vivos de teimosos.
Circo de marionetes, chuva de canivetes
No entanto o coração se agita.”
In: Circo de Marionetes – de Almôndegas
Um recente levantamento realizado pelo Instituto de Pesquisa do Risco Comportamental (IPRC), mostrou que metade dos profissionais brasileiros pratica assédio ou se cala diante desta prática, mesmo que ocorra do seu lado e em seu ambiente de trabalho.
Outra pesquisa produzida pelo site vagas.com aponta para uma estarrecedora conclusão: 52% dos quase cinco mil entrevistados afirmaram já terem sofrido algum tipo de assédio moral e/ou sexual dentro do ambiente de trabalho. E a estatística piora. Deste total 87,5% não denunciaram o fato. Ou seja: nove em cada dez vítimas de assédio moral no trabalho não denunciam o crime por temor e não por covardia.
E, para piorar, os desvios de conduta no ambiente corporativo não foram superados no trabalho remoto exigido pela pandemia do Covid 19. “Os ofensores se adaptaram ao chamado novo normal”, diz Fernando Scanavini, diretor de uma consultoria de gestão de riscos. Metade das denúncias registradas em 2020 nas companhias pesquisadas estão ligadas a relacionamentos interpessoais, e 21,4% do total são identificadas como assédio moral e sexual.
Toda a sorte de constrangimento, discriminação e humilhação – além de palavras e ações que tem o poder de agredir tanto a honra quanto a dignidade de alguém – estão potencialmente presentes nos locais onde duas ou mais pessoas sejam obrigadas a trabalhar numa forçada convivência diária.
Não existem dúvidas de que estas circunstâncias roubam do trabalhador tanto sua capacidade criativa quanto seu rendimento e produzem sofrimentos e traumas brutais.
Júlia teve uma pasta esfregada em seu rosto pela gerente. Carla foi requisitada diversas vezes para comparecer à sala do chefe para que ele declarasse seus ‘afetos’ em relação a ela – a portas fechadas. João Carlos cansou de ouvir que seu diretor iria ‘acabar com sua carreira ali e fora dali‘. Milene foi apalpada pelo dono da escola onde dava aulas. Augusto era sempre chamado de incompetente todas as vezes que o chefe precisava justificar os erros que ele próprio cometia.
Estes são apenas alguns dos milhares de exemplos que denunciam, de maneira clara e irrefutável, situações de violência dentro das relações de trabalho. Por mais que pareçam simples frutos de desvios de conduta ou de comportamentos exagerados, tais exemplos de abuso de poder não são novidades.
Segundo dados bastante recentes, o assédio moral, também chamado de “terror psicológico dentro do ambiente de trabalho”, está entre as três queixas mais frequentemente registradas dentro dos processos julgados por danos morais em nosso país.
É correto afirmar que tal prática se institucionalizou como elemento comum no meio profissional e as denúncias têm crescido de maneira assustadora nos últimos tempos. De acordo com os escritórios de advocacia especializados nesta área, os casos quintuplicaram nos últimos dois anos.
Mesmo assim, parece persistir uma perigosa e tendência no sentido de desestimular a formalização da denúncia.
O problema é que a justiça exige provas documentais assim como testemunhais envolvendo colegas que eventualmente concordem em arriscar seus próprios empregos. Tanto uma quanto a outra são condições claramente limitadoras para que a reclamação seja levada adiante.
O assédio moral pode parecer imperceptível ao olhar alheio – mas, de fato, NUNCA É.
As pessoas ao redor preferem fingir não perceber a permanente tortura que presenciam para não sofrerem as mesmas perseguições e os inevitáveis problemas de consciência que fatalmente lhe assaltarão quando confrontadas com os fatos.
O assédio funciona exatamente como nos casos de bullying: o(a) chefe começa, sem qualquer explicação plausível, a ignorar, menosprezar e desmoralizar tanto as atitudes quanto as ideias da sua vítima. Estas ações ocorrem, na maior parte dos casos, diante dos colegas não apenas como uma forma de humilhar uma determinada pessoa, mas, acima de tudo, como uma ameaça declarada aos demais: “veja bem o que posso e vou fazer contra você caso venha a me aborrecer de algum jeito”.
Inicialmente os constrangimentos podem se apresentar disfarçados de “falo isto porque gosto de você”, “é para o seu bem”, “você pode melhorar, tente!”, “eu até aprecio o que faz, mas o diretor vai detestar”, etc., etc.
Evidentemente, aqui já se instalou o mal dissimulado desejo de fazer o funcionário chegar até a demissão.
O assédio pode também começar de maneira velada, mascarado de interesse genuinamente humano. O chefe se aproxima do subalterno e, em nome de auxiliá-lo nas tarefas, vai criando um vínculo que, aos poucos, supera o limite daquilo que deveria ser meramente profissional. Não è a toa que mulheres e homossexuais são, nesta ordem, as presas preferenciais.
Também pode se estabelecer logo de cara: o ‘líder’, de imediato, se apresenta como autoridade máxima e sutilmente ‘avisa’ que ali não existe espaço para controvérsias: ele manda e está falado!
Existem ainda situações em que ele apenas ‘sugere’ sua supremacia enumerando experiências muitas vezes inventadas que pretendem, na verdade, salvaguardar sua intolerável consciência de inadequação e de falta de condição para manter-se no cargo. A este cenário alia-se o medo de perder a posição dentro da hierarquia que tanto valoriza.
No ambiente de trabalho estas condutas promovem um clima doentio e intimidador, onde a loucura do perseguidor, que quase sempre escapa da compreensão de seus superiores, pode adquirir aspectos ainda mais perversos e perigosos, uma vez que ele (ou ela) precisará esconder suas verdadeiras motivações que vão desde o temor de transparecer sua profunda sensação de incompetência e insegurança até o ciúme e a inveja mortal pelo seu ‘objeto de suplício’.
Logo, o assediador moral nada mais é do que o indivíduo imaturo cuja flácida segurança permeará toda e qualquer situação em que se sinta ameaçado(a) por alguém ou por alguma circunstância.
Atendi, por muitos e muitos anos, dezenas de pessoas que tiveram sua autoestima estilhaçada em milhares de partículas por conta deste tipo infame de relação destrutiva.
Os abusadores são, habitualmente, os que praticam agressões contra aqueles que acreditam não terem poder ou condição de se defender. É o caso, por exemplo, do empregado que necessita desesperadamente do salário para sustentar a família. E subsistência, sabemos, está na base das principais necessidades humanas. Infelizmente o abusador também sabe disso.
E quando um manipulador (seja ele um sujeito, um grupo ou uma classe) entende isto, sente-se à vontade com a certeza de que seu alvo irá tornar-se facilmente submisso e subserviente, além de controlável e, quando necessário, também descartável.
Usam o que acreditam ser sua força – ou influência – para lesar aqueles que elegem como desafetos. Têm consciência de que não serão censurados por seus atos e divertem-se não apenas dizendo o que pensam, mas insinuando, provocando e emitindo frases depreciativas.
Chega a impressionar o número de pessoas perversas e injustas que são estimuladas a ocupar cargos superiores e mantêm sob suas miras, por vezes, centenas de vítimas aterrorizadas e indefesas.
Tais criaturas sabem quase perfeitamente esconder seus traços psicóticos e sua fraqueza moral desvelada exatamente na absoluta falta de senso ético e de noção de justiça.
Nas relações pessoais quando consideramos, por exemplo, marido e mulher ou pais e filhos, os contatos que visam diminuir e desqualificar o outro são capazes de produzir doenças físicas e mentais. Neste caso, o objetivo não é retirar o parente do convívio familiar, mas enclausura-lo numa submissão patológica e potencialmente lesiva.
Tanto neste cenário quanto naqueles que se referem ao ambiente profissional aumentam significativamente os relatos de casos de surtos, depressão e suicídio – além do crescimento da incidência de doenças letais.
Fica, então, uma sugestão: converse muito com seus colegas de trabalho a respeito do que sentem sobre esse tipo de pressão. Conversar sobre tais sentimentos é o principal passo.
Sendo você protagonista de um caso de abuso de poder não deixe de registrar tudo o que for possível: filme, grave e fotografe. Recolha todas as provas que conseguir antes de denunciar o abusador. Mas denuncie, de qualquer forma. Até que o respeito se torne uma prática tão imprescindível e comum quanto sobreviver.
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Sempreee!!!
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