“Vamos festejar a inveja,
A intolerância e a incompreensão.
Vamos festejar a violência
E esquecer a nossa gente
Que trabalhou honestamente a vida inteira
E agora não tem mais direito a nada.
Vamos celebrar a aberração
De toda a nossa falta de bom senso,
Nosso descaso por educação.
Vamos celebrar o horror
De tudo isto
Com festa, velório e caixão.”
In: Perfeição – de Legião Urbana
Prima distante e absolutamente obtusa da autoconfiança, a inveja sempre andou às turras com a naturalmente bela autoestima.
Como num feitiço, a inveja nos obriga a uma comparação contínua entre nós e os outros, ou melhor, entre o que pensamos que está errado em nossas vidas e a imagem distorcida e superficial que temos da vida dos outros. Aliás, não é pra isto que existem as redes sociais?
A comparação obsessiva inevitavelmente cria dentro de nós a percepção de que somos menosprezados, frustrados e derrotados.
Mas o que é a inveja?
A inveja é um mecanismo de defesa psicológico que se revela quando nos sentimos diminuídos em relação ao que acreditamos que alguém é, faz ou possui. De alguma forma, trata-se de uma tentativa um tanto ‘desajeitada’ do ego no sentido de recuperar a confiança.
Mas este tipo de autoestima, que só se completa desvalorizando o outro, é um processo – e não apenas uma comparação – que evidencia a reles aliança entre o empobrecimento pessoal e uma reação agressiva.
Logo, a inveja é a tentativa de conduzir “racionalmente” um estímulo que aparece apenas para desqualificar o objeto, o objetivo ou o modelo invejado.
A boa notícia é que a inveja pode ser vencida ou, melhor ainda, ser colocado a nosso serviço.
Para derrotar o inimigo, devemos primeiro conhecê-lo. No ensaio “Humano, Demasiado Humano” Nietzsche diz que a inveja é o resultado de um desejo que não pode ser satisfeito. Nas palavras do grande filósofo alemão:
“A inveja dos homens mostra quão infelizes eles se sentem. E a atenção constante que dão ao que fazem os demais, mostra como sua vida é tediosa.”
Então, pense: você reage mal quando não pode satisfazer seus desejos? Denigre e despreza alguém que conseguiu realizá-los? Em suma, a velha história da raposa e das uvas lhe soa familiar?
A inveja age exatamente como um mecanismo de defesa posto em prática por nossa mente. É o ato de menosprezar o que somos incapazes de obter e o que os outros conseguem alcançar. É uma espécie de autoengano usado por nossa mente para preservar o nosso ego. É também como justificamos nossa “preguiça” de construir algo ou de buscar alcançar.
A melhor (e mais prática) maneira para entender a inveja e o quanto ela pode arruinar nossas vidas, é investigar a mentalidade daquela inveja.
Projetamos nos outros o que desejamos – se o outro vive uma vida que parece melhor do que a nossa ou demonstra habilidades que não possuímos – e passamos a almejar estar em seu lugar, ter o que ele tem ou fazer o que ele faz.
Isto traz uma sensação desconfortável que procuramos esconder, feito gatunos usurpadores de tesouros alheios, porque temos consciência de que expõe um sentimento socialmente reprovado: desde nossa infância ouvimos que não é bom invejar nosso melhor amigo. Nem nosso pior inimigo.
Mas, na realidade, o que pensamos do “melhor” dos outros é muitas vezes uma fantasia. Afinal, o que nos garante que a felicidade que imaginamos existir não esconde, no fundo, uma tragédia pessoal ou uma coleção de momentos de desespero e desânimo?
A verdade é que vivemos em uma sociedade que valoriza a competição e a “excelência” e que mostra claramente seu desprezo por aqueles que não estão dentre os melhores. Assistimos, sem o menor senso crítico, aos exames de admissão para as escolas, faculdades e vagas de empregos, aos realities shows e aos concursos televisivos como o famigerado Master Chef.
Certamente, internalizamos esses modelos que nos tornam mais exigentes e rigorosos: nunca somos bons o suficiente, nem fortes o suficiente ou inteligentes o suficiente. Portanto, através dos nossos próprios olhos, nos tornamos o nosso pior tirano!
Daí a impressão de que os outros fazem melhor, se organizam melhor, são mais confiantes, mais rápidos, mais espertos e mais felizes, mesmo que isto nem seja o caso. E mesmo se assim fossem, precisaríamos entender que aqueles que atingem o ‘sucesso’ são apenas os que se encontram mais adequados ao sistema, mas não são, necessariamente, nem mais sensíveis nem mais inteligentes ou mais ‘felizes’ que os demais.
Segundo o nosso querido e saudoso psicanalista, Flávio Gikovate:
“A agressividade sutil dirigida contra pessoas que nada fizeram, a não ser existirem e serem como são, é a marca registrada da inveja. Penso que é quase impossível que a inveja não exista. As pessoas teriam que ter a docilidade de aceitar sua condição sem nenhum tipo de frustração. Teriam que viver numa sociedade que não privilegiasse virtudes excepcionais e sim as de caráter democrático, acessíveis a todo o mundo. Teriam que, ao se comparar com as outras pessoas, não construir uma hierarquia: teriam que se reconhecer como diferentes e não como superiores ou inferiores. Este seria o mundo ideal, onde as pessoas seriam amigas e solidárias: estamos mais próximos do fim dos tempos do que dele.”
Nós todos conhecemos alguns invejosos. Ou muitos. É possível que de tão próximo possamos enxergá-lo no espelho todas as manhãs.
A insatisfação é a constante sensação que assombra esta mente. O aparente “êxito” dos outros faz com que ela se mantenha lançada às chamas da raiva e do ressentimento. No fundo, mantêm pouco interesse em seus intentos; sua única preocupação envolve os objetivos alheios. Em última análise, suas metas nunca tiveram um valor intrínseco; seu valor sempre nasce a partir da comparação com os propósitos de outras pessoas.
Há uma frase que expressa magistralmente esta mentalidade e pertence ao escritor americano Gore Vidal:
“Não é o suficiente ser bem sucedido. Os outros devem fracassar.”
A parte boa desta história é que todos somos capazes de transformar este tipo de sentimento naquilo que podemos chamar de admiração . Esta forma de inveja positiva não só não tem efeitos colaterais danosos como pode ser um verdadeiro catalisador para o nosso desenvolvimento.
O segredo para não invejar os outros é construir um projeto pessoal inspirado nesse ‘ideal’ a fim de realizar o que for possível, dentro dos próprios limites. A inveja boa não é, portanto, aguardar com expectativa o fracasso dos outros. É ter coragem de lutar.
Derrotar a inveja má exige de nós não apenas numa mudança de estado de espírito. É necessário assumirmos a responsabilidade pelo que escolhemos. E ‘responsabilidade’ significa literalmente: capacidade de responder . E a inveja nos priva da nossa condição de resposta.
Para superar a inveja é preciso assumir completamente a responsabilidade pelas próprias escolhas. Só desta forma vamos parar de nos preocupar com o que os outros estão realizando, concentrando-nos naquilo que queremos alcançar. Somente desta forma seremos verdadeiramente livres para perceber-nos plenamente.
Agora escolha: você pode se manter penalizado por si mesmo, reclamando contra o mundo e praguejando sobre os outros. Ou você pode optar por se concentrar no que é possível controlar, além de tomar conhecimento de que, para o melhor ou para o pior, você é o “único arquiteto de sua vida” .
Então, na contramão dessa inércia, que tal olhar direito para você e investir naquilo que pode fazer de melhor para si e para os que estão ao seu redor? Mãos à obra!
E, se desejar, envie seus comentários para: psicologaheloisalima@gmail.com
Vejo como um sentimento ardiloso, que não ajuda em nada, muito pelo contrário, só atrapalha a vida de quem a sente!!!